SAIDINHAS

DPU diz que restrições em 'saidinhas' violam direitos fundamentais de detentos

Nota também fala sobre medidas que retomam obrigatoriedade do exame criminológico para concessão de benefícios e progressão de pena.

Órgão diz que medidas podem causar instabilidade no sistema prisional brasileiro - Foto: Divulgação
Órgão diz que medidas podem causar instabilidade no sistema prisional brasileiro - Foto: Divulgação

A Defensoria Pública da União emitiu uma nota nesta terça-feira (16), destacando sua preocupação em relação às restrições impostas pela Lei nº 14.843, de 11 de abril de 2024, que altera a Lei de Execução Penal. A lei prevê mudanças significativas, incluindo a obrigatoriedade de realização de exame criminológico para progressão de regime e a restrição do benefício da saída temporária, popularmente conhecida como ‘saidinha’.

Segundo a nota da DPU, tais medidas, ao limitarem os direitos dos detentos, violam princípios fundamentais garantidos por lei. A instituição ressalta que essas restrições têm potencial para impactar negativamente o processo de ressocialização dos presos, alinhando-se à perspectiva expressa pelo Supremo Tribunal Federal.

Nessa perspectiva, o Supremo Tribunal Federal, na ADPF 347, ao analisar a situação carcerária no Brasil, por unanimidade, reconheceu “a existência de um cenário de violação massiva de direitos fundamentais no sistema prisional Brasileiro, em que são negados aos presos, por exemplo, os direitos à integridade física, alimentação, higiene, saúde, estudo e trabalho. Afirmou-se que a atual situação das prisões compromete a capacidade do sistema de cumprir os fins de garantir a segurança pública e ressocializar os presos”. Portanto, reconheceu que “há um estado de coisas inconstitucional no sistema carcerário Brasileiro.”

No que diz respeito ao exame criminológico, a Defensoria Pública da União argumenta que a retomada da obrigatoriedade desse procedimento é considerada ineficiente, contando com o posicionamento contrário do Conselho Federal de Psicologia.

Com o argumento de acautelar a segurança pública a Lei nº 14.843/2004, optou-se pela imposição generalizada de monitoração eletrônica e pela retomada da obrigatoriedade da realização de exame criminológico para a concessão de progressão de regime e outros benefícios. Note-se que o exame havia sido deixado de ser obrigatório na reforma da lei de execução penal em 2003, por ter-se revelado ineficiente, mesmo quando determinado de forma fundamentada pelo juízo de execução penal no caso concreto.

O Conselho Federal de Psicologia, instituição representativa de classe que estuda cientificamente a mente e o comportamento das pessoas, é contrário ao exame criminológico como posto na lei.

Não bastassem os impactos sociais e anticientíficos mencionadas, não houve estudo da repercussão financeira para a implantação dessas medidas, que acarretarão um gasto público relevante a ser suportado, em maior monta, pelos Estados federados em decorrência da compra e manutenção de grande quantidade de tornozeleiras eletrônicas para viabilizar o monitoramento de apenadas e apenados, assim como pela contratação de profissionais para a realização dos exames criminológicos.

Quanto à restrição nas saídas temporárias, a nota enfatiza que essa medida interfere no processo de ressocialização dos detentos, podendo gerar instabilidade no sistema prisional brasileiro.

A importância da saída temporária é central na reintegração social da presa e do preso, que ocorre paulatinamente até o término do cumprimento da pena. Dados oficiais e seguros fornecidos pelos Estados federados dão conta de que 95% dos presos que fruem do direito de saída temporária retornam ao cárcere após o prazo judicialmente estabelecido, caracterizando-se seu descumprimento como exceção.

O convívio familiar, proporcionado pelo instituto em questão, permite que a pessoa presa retorne ao lar e retome seus laços de afeto por um breve período. É evidente o papel da família na ressocialização da pessoa privada de liberdade, classificada pela Constituição como base da sociedade e merecedora de especial proteção do Estado (artigo 226).

A medida limitadora da saída temporária já consagrada pelo tempo e pela Constituição Federal de 1988 poderá ocasionar instabilidade no sistema prisional Brasileiro.

Por fim, a instituição se posiciona a favor da manutenção do veto presidencial relacionado a tais medidas, reforçando sua posição em defesa dos direitos e garantias dos indivíduos privados de liberdade.

O Excelentíssimo Senhor Presidente da República, sensível à importância da saída temporária para a ressocialização das pessoas apenadas, vetou parte da Lei nº 14.843, de 11 de abril de 2024. A manutenção do veto garantirá a saída temporária e o direito ao trabalho externo a quem não tenha sido condenado por crimes hediondos, nem por delitos cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, demonstre bom comportamento e se mostre capaz, em acurada análise processual caso-a-caso, de retomar o convívio social e, sobretudo, familiar.

Por todas essas razões técnico-jurídicas e criminológicas, a Defensoria Pública da União, instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, como instrumento do regime democrático, destinada à defesa dos direitos humanos e fundamentais, manifesta-se favoravelmente à manutenção do veto parcial do Excelentíssimo Senhor Presidente da República à Lei nº 14.843, de 11 de abril de 2024.