
Histórias marcadas por abandono, afastamento familiar e solidão fazem parte da realidade de muitos idosos. Em Boa Vista, o Abrigo Bom Samaritano, um espaço simples, passou a acolher pessoas em situação de vulnerabilidade social, oferecendo moradia, alimentação, acompanhamento de saúde e, sobretudo, cuidado, convivência e atenção diária a quem já não tinha para onde ir.
Atualmente, oito pessoas vivem no abrigo em regime integral. A maioria tem mais de 60 anos, com uma única exceção: o Sr. Francisco Raimundo, de 55 anos, acolhido devido a uma condição de saúde que o tornou totalmente dependente de cuidados. Todos dormem no local, fazem as refeições diariamente e recebem acompanhamento médico. A instituição existe há oito anos, mas a atuação voltada à terceira idade surgiu a partir de uma vivência pessoal da coordenadora, Juracy Noronha.
“Quando meu pai adoeceu, eu percebi o quanto é difícil cuidar de um idoso e como nem sempre a família consegue estar disponível. Foi nessa dificuldade que nasceu o desejo de acolher”, relatou.
O pai de Juracy sofreu dois derrames consecutivos, com grave comprometimento cerebral. Diante da dificuldade da família em dividir os cuidados, ela decidiu levá-lo para o espaço onde já realizava ações sociais. Ali, passou a cuidar dele diariamente, com apoio do esposo, de um cuidador e, quando possível, dos irmãos.
“Eu trouxe meu pai para cá. E cuidando dele, entendi que muitas famílias passam por isso. Às vezes a gente ama, mas não consegue dar conta sozinho”, diz.
Do acolhimento emergencial ao cuidado com idosos

Antes de se tornar um abrigo para idosos, o espaço chegou a acolher 30 pessoas simultaneamente, incluindo famílias venezuelanas que migraram para Roraima entre 2017 e 2020, além de pessoas em situação de rua.
“A gente já chegou a ficar com 30 pessoas aqui dentro, de todas as idades. Mas, com o surgimento dos grandes abrigos, fomos selecionando o nosso público”, explicou Juracy.
Com a morte do pai e a experiência adquirida no cuidado diário, ela decidiu direcionar definitivamente o trabalho para o acolhimento de idosos. Para isso, buscou formação profissional e concluiu o curso de gerontologia, somando à experiência como técnica de enfermagem.
“Cuidar de idoso é como cuidar de uma criança. Eles têm histórias de vida que ensinam muito, e todo mundo merece ser tratado com dignidade”, afirmou.
Rotina, saúde e acolhimento



O Abrigo Bom Samaritano funciona de domingo a domingo. Os acolhidos recebem café da manhã, almoço, lanche da tarde, janta e, em alguns dias, lanche noturno.
A saúde dos acolhidos é acompanhada por uma Unidade Básica de Saúde (UBS), que realiza visitas periódicas. Todos fazem uso regular de medicação, principalmente para controle de doenças crônicas, como diabetes e hipertensão. A organização e administração dos medicamentos ficam sob responsabilidade da própria coordenadora.
Além disso, o abrigo conta com o apoio de assistentes sociais, psicóloga e voluntários, muitos ligados à igreja da qual o esposo de Juracy é pastor. Atividades simples são realizadas para estimular a convivência e evitar o isolamento.
“A gente não deixa eles só comer e dormir. Eles precisam se sentir vistos, valorizados”, ressaltou.
Histórias que deixam marcas

Ao longo dos últimos dois anos, dezenas de idosos já passaram pelo abrigo. Muitas chegaram após longos períodos de internação hospitalar ou vivendo em situação de rua.
Uma das histórias que mais marcou a coordenadora foi a de um idoso de aproximadamente 75 anos que chegou extremamente debilitado após sofrer abandono e maus-tratos por parte de familiares. Segundo Juracy, o idoso teve o cartão do benefício retirado pela própria família, que realizava compras e empréstimos em seu nome, enquanto ele enfrentava fome e necessidades básicas.
“Pegaram o cartão dele e fizeram empréstimos enquanto o deixavam passando necessidade. Se você não pode cuidar, também não pode maltratar. Todo ser humano merece dignidade”, desabafou.
O idoso chegou ao abrigo com peso muito abaixo do ideal e em processo de recuperação de tuberculose. Sem estrutura adequada para o cuidado intensivo que ele precisava, Juracy buscou apoio junto ao Ministério Público, o que possibilitou o encaminhamento dele para um abrigo municipal com melhores condições.
Outra história que ilustra o papel do abrigo é a do Sr. Francisco Raimundo, de 55 anos. Ele é o único acolhido que não tem mais de 60 anos, mas foi recebido devido a uma paralisia que o deixou sem condições de viver sozinho. Sem familiares em Roraima e após passar mais de um ano internado, Francisco foi encaminhado ao Abrigo Bom Samaritano por assistentes sociais do hospital.
“Ele não tinha ninguém para cuidar dele. Então a gente ficou com ele para ajudar”, explicou Juracy.
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Hoje, Francisco segue em tratamento, realiza exercícios simples e convive com os demais acolhidos, enquanto aguarda a retomada das sessões de fisioterapia.
Dificuldades e como ajudar

Atualmente, o abrigo atende oito pessoas e tem capacidade para até 12 acolhidos, mas três das vagas está temporariamente indisponível devido à reforma de um quarto.
As principais dificuldades enfrentadas hoje são relacionadas à alimentação, roupas de cama, toalhas, materiais de higiene, além da falta de mão de obra fixa, como cuidadores, profissionais de cozinha e serviços de limpeza.
“Às vezes sou eu sozinha: na cozinha, lavando roupa, organizando tudo e cuidando da medicação. É cansativo, mas é feito com amor”, afirmou Juracy.
O Abrigo Bom Samaritano está localizado na Rua Gaivota, 119, no São Bento, em Boa Vista. Quem quiser ajudar com doações de alimentos, roupas de cama, materiais de higiene, itens para reforma ou trabalho voluntário pode entrar em contato pelos números (95) 8119-0463 e (95) 9143-9320.