Cotidiano

Crianças venezuelanas continuam pedindo livremente nos semáforos

Justiça entende que punir pais que levam filhos para os semáforos seria pior para as próprias crianças, que já estão em situação difícil

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Uma das principais mudanças no cenário roraimense com a imigração venezuelana foi o drástico aumento de pedintes nos semáforos da cidade. O que antes acontecia poucas vezes se tornou comum com a chegada de mais pessoas ao Estado. Logo no começo, quando os indígenas Warao começaram a prática, muitas crianças eram encontradas acompanhando os familiares para conseguirem dinheiro.

Diante da problemática, órgãos que defendem o direito da criança e do adolescente passaram a agir para evitar que os menores de idade fossem colocados em situação de extrema vulnerabilidade. Algumas medidas de orientação foram suficientes para diminuir o número de crianças encontradas nos sinais de trânsito, mas com a demanda cada vez maior de venezuelanos nas ruas, fica mais difícil encontrar uma solução.

Segundo a chefe da Divisão de Proteção da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Boa Vista, Lorrane Costa, o que acontece atualmente é um problema social, impossível de aplicar qualquer tipo de sanção punitiva por entender que existe uma situação de miserabilidade por parte dessas pessoas. “Os pais não estão ali porque querem. Estão levando a criança como último recurso. Estão passando fome. Então, nesses casos, não é caso de abrigamento porque quando você tira uma criança ou um adolescente do pai e da mãe você tá vitimizando ele. Na verdade, você estaria punindo duas vezes a criança”, afirmou.

Lorrane disse ainda que, dentro desse quadro, a Divisão tenta orientar os pais da melhor forma possível, mas que os familiares garantem que não têm com quem deixar as crianças. “Nossa equipe já saiu várias vezes na rua para fazer a conscientização. Mas eles falam que não deixam as crianças em casa porque têm medo de alguém abusar, já que eles moram em locais que têm muita gente que eles não conhecem, então eles preferem levar”, completou.

Para Lorrane, é preciso entender que, por não conseguirem trabalho, as pessoas acabam indo para as ruas pedir esmola e, quando tentam sair das ruas, dificilmente conseguem conquistar a confiança para serem empregados. Diante disso, a Vara da Infância e da Juventude entende que não tem lógica aplicar medidas de infração por ser uma situação completamente atípica.

“Nós nunca tínhamos visto isso, é a primeira vez que nós estamos tendo contato com a miséria de fato. Claro que há aquele apelo ‘se eu não tiver a criança, como que vão me dar o dinheiro?’. Mas, é um apelo porque ela tá passando necessidade com a criança e acha que com a criança vai conseguir. Imagina, se a gente fosse aplicar a sanção, abrir um processo chamado Infração às Normas Administrativas. É de três a 20 salários mínimos de multa. Essa pessoa tá miserável, ou seja, é um processo que não vai ajudar em nada essa criança, nem o pai nem a mãe”, ressaltou Lorrane.

ABRIGO – Por se tratar de pessoas imigrantes que entram no país em situação de vulnerabilidade social, a medida de retirar a criança ou o adolescente do meio familiar em que está em situação frágil não é aplicada. “Se eu levar para o abrigo, para quem eu vou dar essa criança? Não tem ninguém da família aqui. Eu vou entregar para terceiros? Então é uma questão completamente social. Não tem outra situação para você dizer ‘elas estão cometendo crime, é um absurdo!’, não tem como a gente falar isso. Não é a questão de ser crime, é uma questão social”, ressaltou Lorrane Costa.

Para tentar diminuir esses impactos, a Vara da Infância e Juventude tem procurado realizar parcerias com o Ministério do Trabalho, Conselho Tutelar e Exército Brasileiro para encontrar abrigo e ações que possam incluir o jovem no meio social, mas a tentativa na maior parte das vezes fica limitada por se tratar de uma demanda que continua crescendo.

“A gente articula junto com o Exército para dar sempre prioridade às famílias que têm crianças. Eles de pronto já fizeram isso. Mas a maioria das pessoas que encontramos nos semáforos mora de aluguel, não mora nos abrigos. Se tá no abrigo já tem alimentação, tem a casa, não paga aluguel, mas a gente constatou durante essa busca que poucas eram dos abrigos”, apontou.

Conselho Tutelar encontra dificuldades para fazer orientações em semáforos

De acordo com o conselheiro Tutelar Augusto Valente, o Conselho Tutelar de Boa Vista estava realizando ações para a retirada de crianças dos sinais da capital, mas atualmente nenhuma ação está sendo feita principalmente por falta de acompanhamento da Polícia Militar. “Se a gente encontrar a criança sozinha, aí sim cabe ao Conselho localizar a família. E no caso da ausência da família, a gente coloca no abrigo. Mesmo que apareça outro venezuelano dizendo que conhece. Se não for parente, não vai sair do abrigo”, disse.

O conselheiro entende que o principal problema é em orientar, fazer entender que o que não pode é deixar a criança no sol enquanto os pais ou responsáveis ficam na sombra aguardando o recebimento da esmola. “No momento não vamos fazer nem orientação porque quando você aborda uma criança venezuelana, você é cercado pelos demais, então, a gente se sente ameaçado e nem sempre a Polícia Militar vai estar presente. Nós fizemos isso duas vezes, se a gente for fazer isso, a gente não faz nenhum outro trabalho. A gente não sabe se vai ter outra ação, mas eu acredito que não”, finalizou.

MINISTÉRIO PÚBLICO – Por meio de nota, o Ministério Público do Estado de Roraima (MPRR) informou que, por intermédio da  Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude, protocolou na Justiça em novembro de 2016 uma ação para que Estado e o Município de Boa Vista fossem compelidos a fornecer alimentação, atendimento médico e alojamento para crianças venezuelanas.

Diante do quadro de vulnerabilidade, o MPRR tem ingressado na Justiça com medidas protetivas quase que diariamente a fim de assegurar a efetiva garantia dos direitos fundamentais da criança e do adolescente. O promotor de Justiça da Infância e da Juventude, Ricardo Fontanella, lembrou que a proteção às crianças deve ser integral e prioritária e de responsabilidade das três esferas de governo. (A.P.L)

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