Mapa que mostra propriedades com trasnposições irregulares (Foto: Relatório Comissão Regional de Soluções Fundiárias)
Mapa que mostra propriedades com trasnposições irregulares (Foto: Relatório Comissão Regional de Soluções Fundiárias)

Agricultores familiares que vivem há mais de uma década na região do Ajarani, em Mucajaí (RR), afirmam estar mais perto da regularização das terras onde produziram e estabeleceram suas moradias desde 2012. Acusados ao longo dos anos de “invasores” por proprietários rurais que reivindicam a área, os colonos agora contam com um relatório técnico do Tribunal de Justiça de Roraima (TJRR) que reconhece a ocupação consolidada e indica que os títulos apresentados por fazendeiros podem ter sido emitidos com irregularidades.

Aday Moraes, representante da Associação dos Agricultores e Agricultoras Familiares do Projeto Ajarani, explicou à reportagem da FolhaBV, que a ocupação começou de forma espontânea, motivada pela falta de terra para pequenas famílias produzirem e residirem.

“A gente ocupa essa terra desde 2012. As pessoas começaram a fazer roça, abrir ramais e construir suas casas. Muitos não tinham terras em lugar nenhum e vieram morar na vicinal”, relata.

Segundo Aday, por anos os moradores foram alvos de ações judiciais e sofreram criminalização. “Fomos vistos como marginais, como se estivéssemos invadindo para grilar ou vender terra. Mas estamos aqui para produzir e sustentar nossas famílias”, afirma.

Relatório do TJRR aponta ocupação legítima e divergências em títulos de fazendas

Durante visita técnica realizada entre julho e agosto de 2025, a Comissão Regional de Soluções Fundiárias do TJRR constatou que há ocupação produtiva e consolidada nos ramais Forró, Mamão, Chapéu e Muru-Muru. O documento destaca que as famílias produzem banana, hortaliças, legumes, tubérculos, farinha e criação de animais, mantendo os próprios ramais para escoamento da produção.

O relatório também aponta:

  • Presença de infraestrutura como energia elétrica do programa Luz Para Todos há cinco anos;
  • Moradias construídas pelos próprios agricultores, em madeira e alvenaria;
  • Escola municipal atendendo crianças da região;
  • Aproximadamente 100 famílias vivendo na área, com idosos e crianças entre os moradores.

Além disso, a equipe técnica identificou inconsistências e possíveis ilegalidades em títulos definitivos apresentados por fazendas que reivindicam a área. O documento do TJRR é explícito ao afirmar que houve transposição irregular de localização das áreas e que os polígonos apresentados pelos proprietários rurais não coincidem com a área efetivamente ocupada pelos colonos.

“Foram identificadas evidências de irregularidades […] passíveis de anulação”
— trecho do relatório da Comissão do TJRR

Defensoria Pública ingressou no processo

O relatório informa que a Defensoria Pública do Estado de Roraima passou a acompanhar o caso, representando as famílias nas ações de reintegração movidas pelos fazendeiros.

Na última audiência, segundo Aday, colonos de todas as vicinais estiveram no fórum para acompanhar o processo.

“Foi a primeira vez que a gente se sentiu ouvido. Não é decisão final ainda, mas já mostrou que temos direito de estar aqui.”

Questão deve envolver outros órgãos públicos

O TJRR recomendou que o Iteraima reavalie os títulos das fazendas e identifique os ocupantes reais da área. Além das ações judiciais, o caso também passou a ser analisado pela CPI da Grilagem, na Assembleia Legislativa, e pelo Iteraima, indicando que a resolução pode ser mais ampla que a simples disputa jurídica.

“Queremos apenas continuar produzindo”

Aday resume o sentimento dos colonos. “A gente está aqui para trabalhar, plantar e criar nossos filhos. Esse relatório foi a primeira vez que alguém enxergou a nossa versão da história”, completou.