O supervisor do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMF) do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, desembargador Almiro Padilha, solicitou na semana passada que o Supremo Tribunal Federal e o Conselho Nacional de Justiça intercedam junto ao Ministério da Segurança Pública para que sejam designados Agentes Federais de Execução Penal, a fim de que assumam o controle administrativo e operacional da Penitenciária Agrícola de Monte Cristo e da Cadeia Pública de Boa Vista.
Em documento datado de 21 de agosto de 2018, Almiro Padilha aponta que o sistema prisional roraimense está lotado, pois possui cerca de 2.999 reeducandos, quando comporta no máximo 1.777, ou seja, quase o dobro da capacidade. “Não há distinção entre os regimes fechado e semiaberto, tampouco separação destes com os presos provisórios. Na realidade, a única segregação existente diz respeito aos reeducandos autodeclarados membros de facções criminosas”, cita.
Assim, presos de uma organização criminosa ficam na Penitenciária Agrícola e da facção rival ficam na Cadeia Pública de Boa Vista. “Observa-se o registro de dezenas de fugas, sobretudo da PAMC, evadindo-se centenas de reeducandos. A impressão que há é a de que permanece recolhido somente aquele que ‘voluntariamente’ deseja cumprir sua pena”, critica o desembargador.
O cenário desastroso, como classifica Padilha, repete-se no Centro Socioeducativo, que já foi palco de inúmeras fugas e está sob domínio de facções criminosas. “Acrescente-se que atos de barbárie humana (esquartejamentos, decapitações, mutilações de toda sorte) são corriqueiros, rotineiros no cárcere local”, lembra.
O desembargador menciona ainda a crise migratória venezuelana, que ocasionou “uma verdadeira mazela não só no meio ambiente cultural visual, mas, sobretudo, na prestação dos serviços públicos, notadamente saúde, educação e segurança. Com efeito, observa-se um grande número de migrantes já recolhidos no sistema prisional roraimense. Neste ano de 2018, 203 venezuelanos já sentaram nos bancos das audiências de custódia, geralmente acusados de crimes patrimoniais. Por fim, já indicativos de migrantes cooptados pelas facções criminosas no sistema prisional”.
Chefes de facções determinam quem vai para audiências
No dia seguinte, 22 de agosto, Almiro Padilha encaminhou outro documento ao STF e ao CNJ, acrescentando informações sobre a realidade do sistema prisional roraimense. “Os integrantes de facções criminosas é que decidem quem entra, quem sai, quem fica, inclusive para audiências etc., dentro da Penitenciária Agrícola de Monte Cristo”, revela.
O magistrado diz ainda que, quando há fuga ou necessidade de entrada nessa área informal e ilegalmente restrita da unidade prisional, o Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) da Polícia Militar é chamado para a tarefa porque “é o único com treinamento suficiente para enfrentar a situação”.
Padilha afirma também que há muito tempo as audiências de réus presos não são realizadas em sua normalidade em Boa Vista, “em razão da necessidade de contar com a boa vontade dos integrantes de facções para a condução dos presos”.
“Em inspeção, constatei que os agentes estatais, quando recebem a ordem de conduzir algum reeducando a audiências, vão até o limite permitido pelas facções, dentro da PAMC, solicitam autorização para levar o interessado até o Fórum Criminal. Um dos chefes da facção aprecia o pedido e decide se a condução acontecerá”, relatou.
STF E CNJ – A Folha entrou em contato, no final da tarde de ontem, com o Supremo Tribunal Federal e com o Conselho Nacional de Justiça para que se pronunciassem sobre o pedido do TJRR, mas não obteve retorno até o fechamento da reportagem.
MP pediu intervenção federal em maio
À Folha, o Ministério Público do Estado de Roraima informou que pediu em maio deste ano intervenção federal no sistema prisional local junto à Procuradoria-Geral da República (PGR/MPF), em Brasília, órgão competente para propositura do pedido junto ao Supremo Tribunal Federal (STF).
“A motivação se deu em razão do descumprimento de disposições constitucionais e infraconstitucionais, em especial as regras da Lei de Execução Penal, a exemplo da presença facções criminosas atuando dentro e fora dos presídios; fugas em massa; mortes com requintes de crueldade, dentre outras fatos que colocam em risco tanto a segurança e a vida dos presos, quanto da população local”, alegou.
O documento, segundo o MPRR, encontra-se na Procuradoria-Geral da República para análise e tomada de decisão.
Sejuc afirma que tem controle sobre a PAMC
Em nota, a Procuradoria-Geral do Estado informou que aguarda ser comunicada oficialmente pelo Supremo Tribunal Federal sobre os pedidos para se manifestar.Conforme notícias amplamente divulgadas na mídia, na sexta-feira, 24, o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, afirmou que intervenção federal no sistema prisional de Roraima não está em discussão.
A Secretaria de Justiça e Cidadania(Sejuc) afirma que tem o controle sobre a Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, contudo o crime organizado é um problema que afeta a segurança pública de todo o país e cujo combate exige uma ação coordenada pela União e por todos os estados, incluindo o efetivo controle das fronteiras do país.
Esclareceu que a Penitenciária Agrícola de Monte Cristo é uma unidade prisional que há 30 anos não recebia melhorias, que começaram a ser executadas somente nesta gestão e a estrutura precária que se encontra o prédio fragiliza a segurança e a contenção dos detentos, que hoje é feita pela Polícia Militar e pelos agentes penitenciários.
A Sejuc aguarda desde o início de 2018 a aprovação do projeto de reforma da Pamc, pelo Departamento Penitenciário Nacional, para melhorar as condições do presídio, que já recebeu cercas elétricas, concertinas e sistema de vigilância, além da recuperação de grades e troca constante de cadeados.
O pedido para atuação do Grupo de Intervenção Penitenciária vem sendo feito pelo Governo do Estado há mais de um ano, sendo inclusive reiterado em 22 de agosto de 2018.
As saídas de detentos para participar das audiências com a Justiça vêm ocorrendo, exceto quando há quebra da segurança no presídio. Sobre detentos que estariam se recusando a comparecer às audiências por ordem de facções criminosas, no ano passado a Sejuc realizou reunião com integrantes do Judiciário e do
Ministério Público propondo levá-los de forma compulsória, mas foi orientada a não obrigar nenhum detento a comparecer em audiência.
No que se refere à cooptação de venezuelanos por facções criminosas, esse é um problema alertado pelo Governo de Roraima para todas as autoridades de segurança do país, desde o início da crise migratória, pois decorre da vulnerabilidade da fronteira.