Para muitas mulheres o Dia dos Namorados, celebrado nesta quinta-feira (12), é sinônimo de uma data especial marcada pela troca de presentes e afetos, mas, para outras, pode representar traumas e feridas. Conforme o Relatório Anual Socioeconômico da Mulher (Raseam), 1,5 mil feminicídios e mais de 2,4 mil mortes dolosas (quando há intenção de matar) foram registradas em 2024.
Apesar dos dados apresentarem queda de 5,0% se comparados a 2023, quando foram registrados 1.438 feminicídios e 2.707 casos de homicídios, conforme a pesquisa, os números são alarmantes e levantam questionamentos e preocupação com a violência cotidiana dentro dos relacionamentos.
Conforme Magdalen Schaffer, assessora do Chame (Centro Humanitário de Apoio à Mulher), ligado à Secretaria Especial da Mulher (SEM), o apontamento acima ainda é reflexo de um machismo estrutural no Brasil.
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Em Roraima, pelo segundo ano consecutivo, o Estado registrou a maior média de mortes de mulheres para cada cem mil habitantes. Os dados são do Atlas da Violência 2025. Por isso, o programa do parlamento realiza palestras constantes de alerta e conscientização para o fim das agressões.
“No Chame, orientamos quem nos procura e, também, multiplicamos informações por meio de palestras em escolas, empresas e órgãos públicos, na tentativa de reverter esse quadro. Muitas que estão imersas em um relacionamento abusivo não conseguem se enxergar nele. A partir do momento em que alguém de fora faz um alerta, elas passam a ter um olhar diferenciado sobre as ações do parceiro”, frisou.
Magdalen ainda cita que, grande parte dos abusadores se utilizam desta data para manipular ou ocultar a situação problemática da relação, presenteando a companheira e sendo carinhoso com ela.
“Desta forma, o homem tenta convencer a mulher de que ela está em um bom relacionamento, de que a relação tem salvação, de que ele vai mudar. Isso faz com que ela tenha ilusão e se mantenha nesse ciclo de abuso. A principal orientação é que elas reflitam que o mais importante é o respeito e não a entrega de presentes. Elas não podem se deixar levar pela mudança de apenas um dia”, preveniu.
Sequelas e apoio psicológico
A psicóloga do Chame, Marcilene Melo, cita que a principal sequela deixada para a vítima de relacionamento abusivo é o transtorno do estresse pós-traumático. Esse estresse é acompanhado de outros transtornos, como ansiedade, depressão e síndrome do pânico.
“Quando a paciente é diagnosticada com uma dessas doenças, ela perde a ciência de normalidade, porque ela passa a sentir não apenas os sintomas emocionais, mas os físicos também. Geralmente, a mulher que passa por isso, acaba repetindo o comportamento e se relaciona com homens parecidos. Quando elas encontram homens bons, acabam se achando não merecedoras daquela pessoa”, enfatizou.
A especialista explica que o relacionamento abusivo ocorre de forma mascarada e se divide em fases. Ela detalha que todo relacionamento se inicia com gentilezas, carinho e palavras que as mulheres gostam de escutar. “Ninguém começa uma relação brigando com o parceiro”. Passada essa fase, inicia-se a segunda: momento no qual a vítima começa a perceber que o comportamento do companheiro ultrapassou alguns limites.
“É nesse momento que a mulher deve ficar atenta a alguns sinais, como mudança no tom de voz, quando começa a impedi-la de ter contato com amigos e familiares, porque a intenção é fazer com que aquela mulher fique completamente dependente dele e não procure meios de sair da relação”, alertou.
A psicóloga destaca que, nesse tipo de relacionamento, o agressor mantém a mulher em uma espécie de “cárcere privado velado”, com a desculpa de que a ama e a está protegendo. Ao passo que a vítima percebe que aquilo já não está mais normal e decide terminar a relação, o parceiro não aceita, por medo de ser denunciado, principalmente.
“A maioria também fala que vai mudar e voltar a ser o mesmo que era antes, e que se comportou de tal forma porque a companheira deu motivos, ou seja, o culpado sempre transfere a culpa para a vítima. É nesse momento que entra a fase da ‘lua de mel’, na qual ela desculpa o homem, na falsa crença de que ele irá mudar. Esse ciclo vai perdurando até o momento em que ela consegue, realmente, deixar quem lhe fez mal”, ressaltou.
Rede de acolhimento
A Casa da Mulher Brasileira é um espaço que reúne várias entidades que compõem a rede de apoio às vítimas de violência doméstica e familiar. Conforme Kamilla Basto, delegada adjunta de Atendimento Especializado à Mulher (Deam), a Polícia Civil tem melhorado sua estrutura para receber essas mulheres, como a instituição do plantão 24h por dia, todos os dias da semana.
“É um trabalho de conscientização com as outras entidades que ocupam a unidade. Acreditamos que, com essas ações, a tendência é que ocorra uma diminuição real dos casos. Temos, ainda, trabalhado a punição desses agressores, investigando e levando adiante até o Ministério Público, para que haja denúncia, condenação e sejam desestimulados a continuar essas práticas”, ressaltou.