ESCOLA PROFESSOR DIOMEDES

Abandonada há 12 anos, escola tradicional de Roraima dá sinais de total degradação

O imóvel foi cedido para a construção da sede do Iper; Conselho de Cultura pede a preservação do patrimônio histórico

Abandonada há 12 anos, escola tradicional de Roraima dá sinais de total degradação Abandonada há 12 anos, escola tradicional de Roraima dá sinais de total degradação Abandonada há 12 anos, escola tradicional de Roraima dá sinais de total degradação Abandonada há 12 anos, escola tradicional de Roraima dá sinais de total degradação
A escola foi fundada em 1945 por Ene Garcez, governador do ex-Território Federal do Rio Branco (Foto: Nilzete Franco/FolhaBV)
A escola foi fundada em 1945 por Ene Garcez, governador do ex-Território Federal do Rio Branco (Foto: Nilzete Franco/FolhaBV)

As salas de aulas, que antes eram ocupadas por professores e alunos, hoje são usadas por invasores que utilizam o local para dormir ou vender drogas. Já o espaço externo, onde estudantes brincavam na hora do intervalo, foi tomado por lixo. Esse é o cenário atual da Escola Estadual Professor Diomedes Souto Maior, uma das mais tradicionais da história roraimense, que há cerca de 12 anos está abandonada.

A reportagem da FolhaBV foi até o local e identificou que parte do telhado desabou, os azulejos das paredes estão quebrados e que toda a estrutura está em degradação. Ao longo dos quase 80 anos de história, a escola fez parte das memórias dos estudantes e educadores que passaram por lá até ser fechada em 2012. 

O professor Aimberê Freitas foi aluno da escola em 1955 (Foto: Nilzete Franco)

O ex-aluno da instituição, escritor e professor, Aimberê Freitas, lamenta o descaso do poder público em preservar o espaço e diz que é “uma facada muito forte” ver o espaço no atual estado. Ele ingressou na escola em 1955, onde estudou até concluir a quarta série, última turma ofertada.

“Quando você não tem vínculo com aquele bem, pode achar que tanto faz deixar a escola abandonada. Tem gestores públicos que não sabem quem foi o professor Diomedes, não estudaram lá, não têm nada a ver com aquilo, e por isso acabam optando por derrubar o prédio, por exemplo. Mas para quem tem essa conexão com o lugar, é uma tristeza ver ela assim”, disse.

LEIA MAIS

Registro fotográfico da instituição em 1953 (Foto: Acervo pessoal/Maurício Zoeuin)

79 anos de fundação

Em 1945, o primeiro governador do ex-Território Federal do Rio Branco, capitão Ene Garcez fundou as escolas estaduais Professor Diomedes Souto Maior e Lobo D’Almada. Até então, Boa Vista contava apenas com a Escola Estadual São José, antes administrada por madres Beneditinas da Igreja Católica.

A escola e a rua onde está localizada foram nomeadas em homenagem ao professor Diomedes Souto Maior, que acompanhou o desenvolvimento educacional de diversos roraimenses. O educador é também o patrono da Academia Roraimense de Letras (ARL).

Inicialmente, foi construída uma estrutura pequena, com apenas duas salas, no bairro Caxangá, onde hoje é o Centro. Na época, também abrigava poucos alunos e funcionários. Entretanto, as lembranças construídas no local acompanharam a vida de gerações como a de Aimberê. 

“Quando estudei lá, aos nove anos, o nome era Escolas Reunidas Diomedes Souto Maior, mas depois mudou. Lembro também da merenda que davam aos alunos. Era coisa simples, como mingau, e era feito na cozinha da casa da diretora da escola. Isso ficou na memória durante toda a minha vida”, relembrou o escritor, com 78 anos de idade.

Vídeo: Camilla Salustiano/FolhaBV

Luta pela preservação do patrimônio histórico

A Secretaria de Cultura e Turismo (Secult) informou que, em 2015, foi aberto um processo para tratar do tombamento estadual da Escola Professor Diomedes Souto Maior. Porém, segundo ela, o processo aguarda parecer do Conselho Estadual de Cultura.

Sete anos depois, em 2022, o imóvel foi cedido pelo Governo do Estado para a construção da nova sede do Instituto de Previdência do Estado de Roraima (Iper). O órgão afirmou, por meio de nota, que não realizou nenhuma demolição do prédio e que está em diálogo com a Secult para “conduzir eventuais intervenções no terreno de forma a não descaracterizar o prédio histórico”.

A FolhaBV teve acesso aos dois pareceres enviados pela Câmara do Patrimônio e Museológico do Conselho Estadual de Cultura, em que critica o laudo técnico realizado na escola pela Secretaria Estadual de Infraestrutura (Seinf) e afirma que é incompatível com a preservação da história do patrimônio cultural do estado. 

Conforme os documentos, a Seinf teria informado que “devido à avançada idade do edifício e aos danos causados pela exposição ao tempo, incluindo chuvas e infiltrações, e devido à ausência de manutenção adequada, a solução mais eficaz seria a demolição”.

Jânio Tavares é membro da Câmara do Patrimônio e Museológico do Conselho Estadual de Cultura (Foto: Nilzete Franco/FolhaBV)

Conforme Jânio Tavares, membro da Câmara do Patrimônio, a organização não é contra a construção do prédio do Iper no terreno da escola, mas sugere que o espaço seja preservado e destinado para outros fins, como um setor do Instituto ou um memorial da instituição Diomedes.

“Recentemente, tivemos uma reunião com o governador Antônio Denarium e pedimos que a escola não seja demolida. Temos vários outros bens públicos nesta situação. Nossa intenção é preservar o que sobrou, existem métodos e tecnologias para fazer isso hoje em dia”, informou.

Petita Brasil também faz parte da Câmara do Patrimônio e Museológico e da Academia Roraimense de Letras (Foto: Nilzete Franco/FolhaBV)

Também membra da Câmara e da ARL, a professora aposentada Petita Brasil critica a atuação das gestões que permitiram a degradação de bens naturais e históricos de Roraima, como a escola, os mananciais e o Porto do Cimento, onde hoje se encontra a Orla Taumanan.

“A cultura de um povo não se prende só a um prédio arquitetônico, são os costumes e a memória. Se apagarem a história, vamos ter que pagar passagem para outros lugares para conseguir ver o passado. É muito triste. Temos que preservar o resto que nos resta”, declarou. 

Vias para a preservação da estrutura

Após ver fotos da escola, o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Roraima (CAU-RR), Nikson Dias, avaliou ser possível recuperar a estrutura da instituição por meio de um processo chamado “retrofit”, que visa restaurar prédios antigos ao mesmo tempo em que preserva a arquitetura original.

“O abandono de um espaço contribui muito para a sua degradação, mas, no caso da escola, ainda é possível recuperar a estrutura. Existem tecnologias e profissionais capacitados em Roraima para este tipo de execução. O retrofit é uma forma de requalificar o espaço sem abandonar a memória e importância histórica dele para a população”, pontuou.

O arquiteto Nikson Dias sugere que o método “retrofit” seja utilizado para adequar e preservar o prédio da escola (Foto: Nilzete Franco/FolhaBV)

Além disso, de acordo com o arquiteto, a ideia de reaproveitamento do prédio para outros fins, como também sugeriu Jânio Tavares, é uma opção que poderia ser avaliada. O profissional reforça a importância de preservar prédios históricos de Roraima. Segundo ele, “é preciso conhecer o passado. Uma cidade que não sabe de onde veio, não vai conseguir traçar o futuro dela”, finalizou.

Compartilhe via WhatsApp.
Compartilhe via Facebook.
Compartilhe via Threads.
Compartilhe via Telegram.
Compartilhe via Linkedin.