Na década de 1990, a população roraimense começou a viver um delírio coletivo pregado pelos políticos, empresários de garimpo e grandes produtores, com veículos de comunicação dando voz sobre uma suposta internacionalização da Amazônia que começaria por Roraima a partir das terras indígenas. Entre eles havia alguns pasquinóides que só tinham sobrevida até as próximas eleições, para logo desaparecerem. Foi o surgimento da paranoia da internacionalização.
Surgiram tantas teorias conspiratórias e uma delas era a de que os soldados capacetes azuis das Nações Unidas iriam invadir o Brasil para depois declarar as terras indígenas como nações independentes. Havia até a loucura de que os Estados Unidos já tinham inclusive um mapa que declarava a Amazônia como parte do país norte-americano. E isso dominava o imaginário popular por meio de entrevistas barulhentas nas rádios e discursos irados nas páginas de jornais.
O que vivemos por aqui, com as populações indígenas galgadas a bode expiatório para culpá-las por tudo de ruim que ocorria no Estado, foi a representação do como campanhas ostensivas baseadas em sofismas e mentiras como instrumento de desinformação podem criar uma realidade paralela, em que muitos passam a acreditar em opiniões induzidas, baseadas no ódio, na mentira e no medo das pessoas. E ninguém ousou arriscar a tratar tudo isso como casos psiquiátricos.
Mais recentemente, um movimento delirante tomou conta não só de Roraima, mas de todo o país por meio da propagação de informações falsas e valores controversos, com gente batendo continência para pneus e pedindo ajuda de extraterrestres em frente de quartéis, terminando com a invasão em Brasília. Até aqui, também não houve um levante para classificar como mais um caso psiquiátrico.
Mas bastou que alguns homens e mulheres começassem a tratar seus bebês de plásticos como se fossem humanos, levando para atendimento médico, que o país entrou em um pânico chamando psiquiatras e com parlamentares indo à tribuna pedir leis para impedir atendimento dos chamados bebês reborn na rede pública. E com ampla cobertura da imprensa, que fez surgir movimentos jogando mais lenha na fogueira da inquisição, alarmando que pais desses bebês hiper-realistas estavam requerendo Bolsa Família.
A verdade é que vivemos um delírio coletivo há muito tempo, com surgimento de movimentos que acreditam em terra plana, gente adorando pastores mirins que rodopiam, balbuciam frases desconexas, pregam cura e pedem dízimo, além de pastores midiáticos que ficaram milionários. Tem até pessoas que acreditam piamente que vão morar em Marte enviadas por um bilionário salvador do Planeta.
No meio desse monstro de triturar gente, que é a máquina de manipulação, que se ampliou com as redes sociais, cresce um movimento para fazer acreditar que o estudo e o conhecimento não levam a nada, com adolescentes e jovens demonizando e satirizando o trabalho de carteira assinada (regime CLT), passando a acreditar que joguinhos na internet e influenciadores de internet irão deixá-los milionários do dia para a noite. Enquanto isso, os filhos dos ricos ocupam os cursinhos vestibulares e ficam com as vagas dos melhores cursos nas universidades públicas federais.
Até hoje, em Roraima e na Amazônia, os capacetes azuis nunca chegaram. E os Estados Unidos não conseguem sequer colocar para fora o ditador venezuelano. No país, os bebês reborn em breve ficarão conhecidos apenas como mais um surto coletivo momentâneo. No entanto, a máquina da manipulação continuará ativa com novas fórmulas e velhos surtos, dentre e fora das igrejas, enquanto os políticos e grandes corporações seguem atacando em várias frentes. Agora eles preparam os últimos ataques ao meio ambiente e às demarcações das terras indígenas.
Enquanto isso, o povo é induzido a seguidos surtos. Quando os bebês reborn deixarem de engajar nas redes sociais e não forem mais pauta quente na mídia, com certeza haverá uma nova forma de manipular ou anestesiar mentes e corações. Estamos presos a uma distopia, que é uma fábrica de surtos pronta para tirar as caveiras do armário.
*Colunista