JESSÉ SOUZA

Riscos de um poder paralelo e um rumoroso caso com conexões reveladas pela Polícia Civil

Organização internacional de mídia repercutiu caso Romano dos Anjos em Roraima (Imagem: Reprodução)

Um e-mail enviado a esta Coluna não só desdenha da insistência sobre o alerta a respeito de que o crime organizado pode se infiltrar nos poderes constituídos, como também desafia a mostrar indícios de que algo nesse sentido possa um dia ocorrer, com o surgimento de um poder paralelo. Não apenas isso trata-se de um perigo real como fatos recentes ocorreram, inclusive com a imprensa internacional repercutindo, enquanto a opinião pública roraimense não teve acesso às informações de maneira organizada.

Em 2022, a entidade internacional InSight Crime repercutiu o rumoroso “caso Romano dos Anjos”, o jornalista que foi sequestrado e torturado em Roraima na noite do dia 26 de outubro de 2020, cujas investigações da Polícia Civil apontaram para o surgimento de uma milícia dentro do poder Legislativo roraimense com ramificações na venda de armas para o garimpo ilegal por policiais militares e criação de instituição financeira de fachada que aplicou golpes no Estado.

Para contextualizar, o InSight Crime é um think tank, ou seja, uma organização de mídia independente que se dedica a buscar, aprofundar e informar sobre crime organizado e segurança cidadã nas Américas. E foi a partir da matéria dessa entidade, publicada em 04.03.2022, intitulada “How Local Political Support Gives Illegal Miners Carte Blanche in Brazil’s Amazon” (“Como o apoio político local dá carta branca aos garimpeiros ilegais na Amazônia brasileira”, em tradução livre), que tudo veio à tona.

Conforme a matéria, que cita o presidente da Assembleia Legislativa de Roraima (ALE-RR) da época, Jalser Renier, como um dos políticos mais poderosos do Norte do Brasil, surgiu um suposto esquema que armou garimpeiros ilegais para subjugar as comunidades indígenas Yanomami. A fonte dessa informação foi uma série de reportagens investigativas publicadas pelo site InfoAmazonia, que apontou a conexão do caso Romano como uma milícia armada e outros negócios ilícitos.

Conforme as amplas reportagens, foi a partir do caso Romano que a Polícia Civil de Roraima descobriu que não se tratava tão somente de um sequestro, arquitetado dentro do Serviço de Inteligência da Assembleia Legislativa, o SISO, sob o comando de Jalser Renier, que foi investigado pelo Ministério Público de Roraima sob suspeita de chefiar uma milícia de policiais militares.

“O grupo formado por policiais militares de elite, incluindo três coronéis e um major, teria cometido uma série de crimes entre 2015 e 2020, incluindo espionagem de adversários, sequestro, fornecimento de armas para garimpos ilegais e segurança armada para empresas e políticos com um único objetivo: perpetuar o poder de Jalser em Roraima”, aponta uma das reportagens da série.

Romano dos Anjos, à época, fazia comentários e denúncias sobre suspeitas de desvios de recursos na Secretaria de Saúde, onde o então parlamentar teria o poder de indicações políticas. A partir das investigações do sequestro e tortura do jornalista, a Polícia Civil pediu a quebra do sigilo telefônico e bancário de diversos investigados, o que revelou outras atividades do grupo.

Conforme as investigações, um dos negócios suspeitos está relacionado à empresa By Money, instituição financeira que operava ilegalmente, sem autorização do Banco Central,  e prometia retornos de capitais bem acima dos praticados pelo mercado. A Polícia Civil apontou que os principais investidores da By Money estavam ligados à Assembleia de Roraima. O fato levou a Polícia Federal a desencadear a “Operação Loki”, que revelou um esquema de pirâmide financeira que movimentou mais de R$ 90 milhões em apenas um ano.

Os investigadores chegaram a documentos que concluíram que vários oficiais militares formaram uma milícia entre 2015 e 2020 que vendeu armas a garimpeiros, sequestrou e torturou o jornalista, desviou fundos públicos e aplicou golpes financeiros, o qual cessou após estourar o caso Romano, qur por sus vez levou à prisão do parlamentar pela primeira vez em outubro de 2021, cujo desenrolar é de conhecimento público que resultou com a cassação.

O que chama a atenção nesse caso é que o governador Antonio Denarium chegou a procurar os promotores para relatar que o parlamentar fora ao Palácio do Governo ameaçar matá-lo se ele não mandasse parar a investigação, fato este que teve ampla repercussão à época. Mas até hoje não se ouviu mais falar dessas investigações, as quais não ganharam ampla repercussão.

Então, como pode ser notado, não se trata de nenhum alarde falso a respeito dos perigos sobre o surgimento de um poder paralelo em Roraima. Porque os fatos mostram que isso já chegou a ocorrer, restando fortes resquícios desse passado bem recente, com policiais, políticos e empresários sendo investigados até hoje, junto com apreensões de minérios retirados ilegalmente da Terra Indígena Yanomami.

*Colunista

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