Enquanto a opinião pública local está mais preocupada com prisão de fanqueiro no Rio de Janeiro, acusado de fazer apologia ao crime, e com a condenação à prisão de humorista em São Paulo, que faz piadas sob acusação de “racismo recreativo”, em Roraima a realidade se desenha em preocupantes demonstrações de força das facções ligadas ao narcogarimpo.
No mesmo momento em que o líder de uma violenta facção venezuelana fugiu de sua prisão domiciliar que era cumprida em sua casa em área nobre da Capital, no bairro Paraviana, na zona Leste, corpos continuam sendo desovados no outro extremo da cidade, na zona Oeste, na regão do Anel Viário, onde finda a área urbana da cidade. E sem nenhuma repercussão, além das acanhadas notícias policiais na imprensa e nas redes sociais.
O caso do corpo de uma mulher encontrada enrolado em lenço no Anel Viário, no fim de tarde de sexta-feira passada, dia 30 de maio, tornou-se apenas mais uma estatística, sem identidade revelada, sem motivação e sem qualquer indignação. Da mesma forma que o corpo de outra mulher foi encontrado na mesma região, no dia 28 de janeiro de 2019, de identidade não revelada à época, mas com marcas de ter sido executada a tiros.
Tais crimes somam-se a outros com características semelhantes, muito provavelmente por acerto de conta por envolvimento no tráfico de droga, seja por dívida, queima de arquivo ou disputa de território. O crime de sexta-feira passada segue o mesmo caminho dos demais, provavelmente sem uma solução apresentada à sociedade como forma de satisfação das autoridades ao que está sendo feito, porque elas não estão sendo cobradas.
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No imaginário coletivo, são apenas bandidos matando outros bandidos ou, no mínimo viciados, como se fosse uma “faxina social” tolerável, já que a polícia não dá conta e a Justiça idem. No entanto, as implicações vão muito mais além, pois enquanto facções mostram suas forças desovando corpos em acertos de conta, no topo da sociedade, lá em cima, o crime organizado coopta policiais, agentes do governo, políticos (casos de vereadora do interior e vereador da Capital investigados, além de um deputado) e, quiçá, do Judiciário por meio de venda de sentenças, como ocorre em outros estados.
Essa é a grande questão, que é a contaminação da sociedade pelo crime. Não se trata apenas de corpos desovados, mas mulheres e jovens de famílias sendo aliciadas pelo tráfico, os quais são as vítimas fatais das desovas. Enquanto isso, os que comandam tudo não são alcançados pela polícia ou muito menos pela Justiça; e os que são alcançados acabam indo parar em prisão domiciliar, de onde facilmente fogem, enquanto as cadeias são lotadas por viciados e aviões do tráfico.
O que se torna necessário perceber é que corpo desovado ou cemitério clandestino não esconde somente o fato de essas vítimas serem pessoas pobres, geralmente mulheres, jovens e adolescentes da periferia ou imigrantes desesperados. Esconde algo bem maior: gente grande cooptada pelo crime organizado que estão se infiltrando cada vez mais na política e nos poderes constituídos.
Essa é a grande questão que ninguém quer enxergar. As últimas operações da Polícia Federal têm mostrado inclusive a conexão no crime de policiais de Roraima com os policiais do Amazonas. Está aí a grande bomba silenciosa.
*Colunista