Um novo caso de apreensão de 40kg de ouro escondidos em uma caminhonete que trafegava pela BR-230, em Altamira (PA), na tarde desta quarta-feira, 6, só aumentou o espanto da opinião pública. Com a apreensão histórica ocorrida em Boa Vista, na segunda-feira, 4, agora somam-se 143kg de ouro avaliados em R$80 milhões apreendidos pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) em menos de 48 horas. Pela ampla repercussão, parece algo novo. Mas não há nada de extraordinário. As cifras investigadas são bilionárias.
O grande esquema é conhecido de todos, porém de forma fragmentada. Senão, vejamos! Em 2023, a Polícia Federal começou a investigar um poderoso esquema que movimentou R$ 422 milhões em cinco anos, entre 2018 e 2022, por meio de lavagem de dinheiro, contrabando e tráfico de droga. Foi em 14 de fevereiro daquele ano que a Polícia Federal (PF) deflagou a Operação Avis Aurea para investigar essa organização criminosa que atua no comércio ilegal de ouro extraído principalmente da Terra Indígena Yanomami.
Tudo começou com uma ação da PRF em Cáceres (MT), onde foram apreendidos mais de R$ 4 milhões em espécie em um veículo. A PF identificou que esse valor era parte de um esquema maior de aquisição de ouro ilegal em Roraima. A partir de então, a 4ª Vara Federal Criminal da Justiça Federal em Roraima expediu 13 mandados de busca e apreensão em três estados: Roraima, São Paulo e Goiás. Os investigados eram empresários, advogados e um servidor público de Boa Vista.
Uma das empresas investigadas já havia sido envolvida em outra ação da PF em 2019, quando foram apreendidos 111 kg de ouro em um avião em Goiânia. Conforme as investigações a partir desse caso, descobriu-se que o dinheiro para compra do ouro era movimentado principalmente por via terrestre, vindo das regiões Sudeste e Centro-Oeste, em viagens que podiam durar mais de uma semana, até chegar a Boa Vista.
O ouro extraído ilegalmente da Terra Yanomami era transportado para fora de Roraima por via aérea, com a colaboração de um funcionário de uma companhia aérea que facilitava o despacho do minério em aviões comerciais. A quadrilha utilizava empresas fictícias para lavar o dinheiro do ouro ilegal. Um detalhe a ser observado é que durante as diligências foram apreendidos diamantes na casa de um dos alvos, reforçando as suspeitas de comércio de outros minerais ilícitos.
Diante do que ficou exposto, ficou evidente a complexidade das redes de financiamento do garimpo ilegal, com ramificações em vários estados. As investigações apontaram indícios de que o ouro ilícito de Roraima era exportado para países como Estados Unidos e Europa, muitas vezes por meio de empresas nos EUA, que comercializavam o material em mercados como Itália, Suíça, Hong Kong e Emirados Árabes Unidos.
Diante de toda complexidade, a Operação Avis Aurea conectou-se a outras ações da PF, como a Operação Hespérides, que em 2019 investigou comércio de mais de uma tonelada de ouro, e a Operação Sisaque, deflagrada em 15 de fevereiro de 2023, que mirou um esquema bilionário de ouro clandestino em vários estados, incluindo Roraima, com movimentação de cerca de 13 toneladas de ouro ilícito, avaliadas em R$ 4 bilhões (sim: bilhões!).
Deflagrada poucos dias antes da Avis Aurea, a Operação BAL também investigou um esquema de lavagem de dinheiro proveniente do comércio ilícito de ouro em Roraima. Foram cumpridos 8 mandados de busca e apreensão, incluindo alvos ligados ao governador Antonio Denarium, como a casa da irmã dele, Vanda Garcia. O alvo era a movimentação financeira de ouro ilegal, com indícios de uso de empresas de fachada para “esquentar” o minério. A operação só reforçou a conexão entre o garimpo ilegal e figuras influentes em Roraima, incluindo possíveis ligações políticas, um padrão já observado na Avis Aurea.
Deflagrada duas semanas após a Avis Aurea, a Operação Nau dos Quintos investigou suspeitos que movimentaram R$ 271 milhões em quatro anos na compra de ouro ilegal da Terra Yanomami. Alguns dos alvos dessa operação já haviam sido investigados em ações anteriores, indicando sobreposição de alvos e redes criminosas. A operação foi iniciada após denúncia anônima apontando que o proprietário de uma loja de materiais de construção em Roraima usava a empresa para lavar dinheiro do garimpo. Um dos suspeitos, com rendimentos declarados de apenas R$ 40 mil, movimentou R$12 milhões.
Por fim, deflagrada em 1º de fevereiro de 2024 em 17 estados, incluindo Roraima, a Operação Hades foi definitiva para confirmar a conexão entre o garimpo ilegal, tráfico de drogas e a formação de milícias. É o que ficou sendo chamado de narcogarimpo. Embora fosse focada principalmente no tráfico de drogas e lavagem de dinheiro (movimentando R$ 300 milhões), a operação apontou que o garimpo na Terra Yanomami servia como um elo para outras atividades criminosas, como as investigadas na Avis Aurea.
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O detalhe que a Hades revelou foi a associação de facções criminosas venezuelanas e brasileiras com o garimpo ilegal, um aspecto que complementa a Avis Aurea, que focou no financiamento e na comercialização do ouro. Sendo assim, a Avis Aurea identificou o transporte de ouro para fora de Roraima, enquanto a Hades apontou que empresas de transporte de cargas de alimentos para a Venezuela eram usadas para lavar dinheiro do garimpo.
Com tudo detalhado, é possível perceber que as operações policiais apontaram o uso de empresas de fachada e laranjas para movimentar valores ilícitos vindo de minérios e drogas, com participação de empresários e políticos, cujos crimes apontaram uma conexão transfronteiriça (Venezuela e Guiana) que indica o ouro sendo enviado para mercados internacionais. Significa que o que estamos vendo nesses últimos dias é apenas mais um desdobramento do que já é conhecido das autoridades policiais.
*Colunista