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O SIMULACRO DO AFETO : Quando o Reborn substitui o real

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O SIMULACRO DO AFETO : Quando o Reborn substitui o real

“Aonde estamos chegando?” — essa pergunta, que ecoa com perplexidade e inquietação, encontra um eco perturbador nas relações humanas atuais, marcadas pela crescente substituição de vínculos reais por interações simbólicas, artificiais e anestesiadas. Em um tempo em que declaramos abertamente que a tela do smartphone é nosso melhor amigo, a emergência dos bebês reborn como objetos de afeto extremo acende um alerta psicológico e social importante. Estamos falando de bonecos hiper-realistas que simulam recém-nascidos com riqueza de detalhes — textura da pele, peso, até mesmo odores — e que, para além do colecionismo ou arte, têm sido usados por muitos como substitutos emocionais de bebês reais. O problema emerge quando o afeto simbólico ultrapassa o limite do saudável e se transforma em uma forma de fuga, isolamento ou patologia.

O fenômeno dos bebês reborn não é recente, mas vem crescendo em intensidade e visibilidade. Nas redes sociais, vemos adultos que tratam os bonecos como filhos: vestem-nos, alimentam-nos com mamadeiras, levam-nos ao parque, ao médico, organizam chás de bebê e até funerais simbólicos em caso de “perda” do reborn. Esses comportamentos, à primeira vista excêntricos ou inofensivos, escondem, muitas vezes, dores profundas e não elaboradas — como lutos pela perda de um filho, infertilidade, traumas infantis ou carências afetivas estruturais. Em vez de buscar ajuda terapêutica, essas pessoas constroem uma realidade alternativa onde a dor é camuflada por um objeto que oferece conforto, previsibilidade e ausência de frustração.

Esse tipo de afeto simbólico não é novo na história da humanidade. Sempre recorremos a símbolos para processar perdas, expressar sentimentos e criar sentido. No entanto, o que vemos agora é a exacerbação de uma cultura de simulacro — termo cunhado por Jean Baudrillard — em que a cópia passa a substituir o real e, por vezes, é preferida a ele. Um boneco reborn não chora de madrugada, não adoece, não exige reciprocidade nem confronta o adulto com as frustrações naturais do vínculo humano. Ele é o “filho ideal”: dócil, silencioso, disponível a qualquer hora — uma perfeição que a vida real, por sua natureza imperfeita e imprevisível, jamais poderá oferecer.

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O perigo se instala quando esse consolo se transforma em isolamento. A pessoa que antes buscava um alívio simbólico da dor começa a viver em torno do reborn, afastando-se do convívio com outras pessoas, rejeitando vínculos reais por medo da dor e da frustração. Cria-se, assim, um ciclo de dependência emocional com um objeto inanimado. O toque do silicone passa a substituir o toque humano. O olhar fixo do boneco substitui o “olho no olho” de um afeto vivo. E o colo de um boneco frio se torna mais “seguro” do que o risco de se entregar novamente à vida, com suas dores e delícias.

Essa substituição emocional traz consequências psíquicas graves. O cérebro humano é um órgão social: foi moldado evolutivamente para interagir com outros seres humanos. O toque, a troca de olhares, a imprevisibilidade das relações são elementos fundamentais para o nosso equilíbrio emocional e desenvolvimento saudável. Quando substituímos essas trocas por objetos controláveis, estamos interrompendo o ciclo de amadurecimento emocional e contribuindo para o empobrecimento das relações humanas. A obsessão por algo que não reage — ou que só reage dentro dos limites do controle do indivíduo — não é amor, é fuga.

Mais ainda: o fenômeno revela um mal maior da contemporaneidade — a anestesia emocional. Vivemos numa era em que não se ensina mais a lidar com o luto, a perda, a dor ou a espera. Queremos respostas imediatas, soluções rápidas, conforto instantâneo. E se a vida real não dá, criamos mundos paralelos onde tudo é como desejamos. Da mesma forma que o filtro do Instagram nos mostra um rosto sem rugas, o reborn nos oferece uma maternidade sem riscos, sem erros, sem fracassos. Mas também sem verdade.

O que está em jogo, portanto, não é apenas um comportamento individual exótico, mas um sintoma social. Estamos diante de uma cultura que foge da dor ao invés de enfrentá-la, que prefere o virtual ao real, que substitui o afeto pelo artifício e que escolhe o controle à vulnerabilidade. O risco disso é a formação de uma sociedade cada vez mais solitária, incapaz de suportar as frustrações naturais das relações e viciada em vínculos unilaterais, nos quais não há trocas reais, apenas projeções idealizadas.

Claro que não se trata de demonizar quem busca conforto simbólico em um objeto. O uso terapêutico de reborns, por exemplo, em pacientes com Alzheimer ou em determinadas intervenções psicológicas, pode ter efeitos benéficos. O problema reside no excesso, na fixação, na substituição total do outro pelo objeto. Quando o simbólico se torna patológico, estamos diante de uma desconexão com a realidade que precisa ser compreendida e, se necessário, tratada.

A verdadeira cura para o vazio afetivo não está no silicone moldado com perfeição, mas na coragem de encarar as dores que a vida impõe. Está em aprender a perder, a reconstruir, a amar de novo. O afeto, para ser pleno, exige risco, contato, frustração, reciprocidade. E, acima de tudo, exige humanidade.

Concluo reafirmando: nada substitui o olho no olho e a pele na pele. São nesses gestos simples, reais e muitas vezes imperfeitos que habitam os laços que nos sustentam enquanto humanos. Precisamos reaprender a conviver com o outro em sua inteireza — falho, incômodo, imprevisível, mas vivo. Só assim escaparemos da armadilha de um afeto plastificado e voltaremos a sentir a vida como ela é: crua, bela, e, acima de tudo, real, sem que olhemos para o nada achando que estamos vendo tudo.

Por: Weber Negreiros
W.N Treinamento, Consultoria e Planejamento
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