
A ignorância nunca foi neutra. Ela tem donos, interesses e consequências. Em qualquer sociedade, quando o acesso à educação de qualidade é negligenciado, quando a formação crítica é substituída por conteúdos superficiais e o pensamento autônomo é visto como ameaça, o resultado não é apenas o empobrecimento intelectual de uma geração — é a criação deliberada de uma massa manipulável. E esse cenário não surge por acaso. Ele é construído, mantido e até celebrado por aqueles que compreendem que uma população incapaz de pensar por conta própria é mais fácil de controlar.
No Brasil, esse fenômeno se tornou gritante. O ensino fundamental está afundado. Faltam professores bem pagos, falta estrutura mínima, mas principalmente falta foco no essencial: formar cidadãos capazes de pensar e decidir com independência. O resultado é um país com milhões de jovens que concluem a escola sem compreender um texto simples ou resolver uma conta básica. Quem ganha com isso? Justamente quem deseja uma população dependente do Estado e alheia ao próprio poder de transformação. Manter a ignorância e a educação rasteira é, há muito tempo, uma estratégia de dominação.
Enquanto a juventude deveria ser incentivada a pensar, duvidar e questionar, o sistema empurra atalhos. As escolas, muitas vezes, oferecem conteúdos prontos, mastigados e estéreis, e não provocam mais o incômodo saudável que o pensamento crítico gera. Pensar passou a doer, a ser visto como algo “difícil demais”, “inútil” ou “perda de tempo”. Em seu lugar, cresce a terceirização do raciocínio: os jovens aceitam respostas prontas de influenciadores, ideólogos ou algoritmos, sem desenvolver a habilidade de construir suas próprias conclusões. Esse empobrecimento intelectual não é apenas um sintoma; é parte de uma engrenagem que transforma cidadãos em seguidores, eleitores em rebanho e a democracia em teatro.
Não é coincidência que, nas últimas décadas, os investimentos pesados tenham se concentrado nas universidades públicas — muitas vezes transformadas em redutos de militância ideológica — enquanto o ensino fundamental ficou abandonado. É na base que se aprende lógica, leitura e a capacidade de questionar. É na infância que se planta o hábito de duvidar, de argumentar, de ler o mundo com olhos próprios. Ao negligenciar essa base, o país colhe gerações que não sabem pensar, mas sabem repetir. Que não compreendem, mas decoram. Que não argumentam, mas seguem o coro. Essa omissão não é um acidente: ela interessa a quem precisa de um povo dócil, crente nas promessas fáceis e incapaz de perceber os mecanismos que o aprisionam.
O pior é que enquanto faltam livros, professores e aulas de português e matemática, sobram discursos prontos travestidos de educação. Muitas instituições passaram a priorizar pautas ideológicas, usando o espaço que deveria ser de formação intelectual para doutrinação política e moral. Quando o ensino substitui o raciocínio pela repetição, o estudante deixa de ser sujeito do próprio conhecimento e se torna veículo de slogans. Cada geração mal alfabetizada garante mais eleitores que votam por emoção ou assistencialismo, não por consciência ou análise. Cria-se um ciclo vicioso: o sistema forma ignorância, a ignorância elege quem mantém o sistema, e o sistema segue perpetuando a ignorância.
Esse processo tem efeitos devastadores não só na política, mas também na economia e na cultura. Um povo incapaz de interpretar um texto não consegue compreender contratos, leis, políticas públicas ou manipulações midiáticas. Um povo incapaz de fazer contas básicas não consegue avaliar propostas econômicas, analisar orçamentos familiares ou perceber o endividamento crescente do Estado. A ignorância, portanto, mina a cidadania. Ela impede que as pessoas enxerguem além do discurso pronto, e as condena a viver de migalhas, enquanto a elite que as mantém na escuridão acumula poder e privilégios.
O que torna essa realidade ainda mais preocupante é a sua naturalização. A juventude, ao ser privada do estímulo ao pensamento, cresce acreditando que pensar é um fardo. Muitos estudantes já chegam à universidade com aversão à leitura, ao esforço intelectual e ao debate de ideias. Preferem resumos, vídeos curtos, frases de efeito — atalhos que oferecem a ilusão de conhecimento sem exigir reflexão. Esse hábito de pular etapas cognitivas cria adultos que opinam sobre tudo, mas compreendem quase nada. São presas fáceis de manipulações, fake news e discursos populistas. Sem ferramentas para analisar, questionar e ponderar, tornam-se massa de manobra.
Romper esse ciclo exige coragem política e compromisso ético. É preciso valorizar os professores, pagar salários dignos, investir em infraestrutura e, sobretudo, redefinir as prioridades do currículo. Uma escola de verdade não teme o pensamento livre, ela o promove. Não se trata de ensinar o que pensar, mas de ensinar a pensar. Isso significa recolocar lógica, leitura, ciências e artes no centro do ensino; significa criar ambientes onde a dúvida seja bem-vinda e o erro seja parte do aprendizado, e não motivo de punição. Significa formar cidadãos capazes de discordar com argumentos, e não com ódio.
É igualmente necessário despolitizar a educação. A escola não pode ser palanque ideológico, de esquerda ou de direita. Ela deve ser laboratório de pensamento crítico, não fábrica de militantes. Quando o ensino é usado como ferramenta de doutrinação, ele trai sua essência. O conhecimento deixa de ser fim e vira meio para fins partidários. Por isso, qualquer projeto sério de reconstrução educacional precisa garantir autonomia intelectual, pluralidade de ideias e respeito à diversidade de pensamento. Só assim se forma gente livre — e uma sociedade de indivíduos livres é incompatível com a tirania.
A meritocracia, tão demonizada por alguns, precisa ser resgatada como valor educacional. Não se trata de ignorar desigualdades sociais, mas de premiar o esforço, a dedicação e o mérito acadêmico. Quando todos recebem os mesmos resultados independentemente de seu empenho, a mensagem implícita é que pensar não vale a pena. A excelência só floresce onde há reconhecimento do esforço. E sem excelência educacional, não há desenvolvimento econômico, social ou cultural sustentável.
Por fim, é necessário compreender que educação não é gasto: é investimento na liberdade. Um povo instruído é mais difícil de enganar, de corromper e de escravizar emocionalmente. Um povo capaz de pensar não se contenta com promessas fáceis, não troca sua dignidade por benefícios imediatos e não delega seu futuro a quem lucra com sua submissão. Pensar pode doer, mas é essa dor que fortalece. Fugir do esforço de pensar é abrir mão da própria humanidade.
Se o Brasil quiser romper o ciclo da ignorância e da manipulação, o caminho é claro: reconstruir a educação desde a base. Escolas de verdade, professores valorizados, currículos sérios, espaço para o pensamento crítico e a liberdade de ideias. Só assim poderemos formar cidadãos que enxerguem além do discurso pronto e tenham coragem de tirar do poder aqueles que vivem da ignorância alheia. Pensar não pode ser exceção: precisa voltar a ser regra.
Por: Weber Negreiros
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