Não sei por que me encaram assim. Eu ainda era criança, mas minha mãe sempre falava pro meu pai, para ter cuidado porque eu era comunista. Quando, na verdade, eu nem sabia o que significava isso. E era porque eu não me afinava muito com a religiosidade dela, que não perdia uma missa aos domingos. E eu era o único filho, na família, que ela fazia questão de levar com ela para a igreja. E durante toda minha longa vida tive que encarar esse desencontro. O que já enfrentei pela vida com essa impressão que sempre causei nas pessoas, que sou um ateu, não tá no gibi. Quando, na verdade nunca fui contra religião nenhuma. Só nunca senti a necessidade de participar. Mas, para os religiosos, não se preocupem com isso, porque tenho minha maneira de ver Deus. E é simples pra dedéu. É só acreditar no poder de Deus, e só.
Quando eu ainda era criança, meu pai, que era amigo do Bispo de Natal, sempre que ia visitar o Bispo, e isso era semanal, levava-me com ele. Porquê, não sei. Mas o Bispo dizia que quando eu estivesse adulto ele me encaminharia para ser padre. E eu já começava a treinar uma maneira de fugir do Bispo. Já tropecei muito nos encontros com padres que deveriam ser meus amigos. E o único que respeitava minha presença era um dos meus cunhados, Góis, irmão da Salete. Eu estudava na Escola da Base Aérea de Natal, quando certo dia a Escola fez uma comemoração com a primeira-comunhão dos alunos. Quando eu saía para a escola, pela manhã, minha mãe fazia um cuscuz muito gostoso. Ela não usava leite, mas leite de coco, para temperar o cuscuz. Na saída eu bebi um copo de água de coco. A fila de crianças para receber a hóstia, era enorme. E quando chegou minha vez o padre perguntou:
– Você comeu alguma coisa antes de vir pra cá?
Sem pestanejar, respondi:
– Não. Só bebi um copo de água de coco.
O padre puxou a hóstia que já estava pertinho da minha boca e falou:
– Então não pode! Você no pode receber a hóstia. Tinha que estar em jejum. Pode sair.
Eu me retirei e ainda bem que ele não percebeu que eu saí sorrindo com o absurdo. Na mesma Escola, pouco tempo depois, o diretor da biblioteca era o padre diretor da escola. Naquele dia ele me proibiu de tirar livros da biblioteca. E o motivo era que eu, involuntariamente, tinha rabiscado, com o lápis, a capa de um livro. Certo dia, quando cheguei ao curso Barão, onde estudava, em São Paulo, o professor, sorrindo, perguntou:
– Afonso, fiquei sabendo que você é ateu, é verdade?
Sem pestanejar nem refletir, respondi:
– Graças a Deus!
Pense nisso.
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