Não se trata de uma guerra de faccionados venezuelanos contra os próprios venezuelanos que devem algo. Conforme esta Coluna já vinha prevendo, a escalada da violência fatalmente chegaria a registrar como vítimas pessoas que não teriam nada a ver com essa guerra por território pelo tráfico de drogas. O caso mais recente veio à tona na semana passada após investigação da Polícia Civil.
Trata-se do caso do jovem Ruan Dayllon Gomes Oliveira, de 18 anos, que foi assassinado a tiros, por engano, em 9 de setembro passado, no bairro Airton Rocha, vítima da disputa ligada ao tráfico de drogas e à atuação de facções criminosas na região ao ser confundido com outra pessoa, que seria o alvo real da execução.
Antes disso, em 17 de setembro, a senhora Maria Elza Pereira Silva Pereira, de 62 anos, morreu no Hospital Geral de Roraima (HGR) após ser atropelada durante trocas de tiros entre faccionados no bairro São Bento, na noite de um domingo, dia 14 daquele mês. Ela e outra mulher, que sobreviveu ao atropelamento, passavam pelo local ao se dirigirem para a igreja naquela região dominada por criminosos.
Mais recentemente, surgiu o caso de dois homens que foram assassinados a facadas e esquartejados, no bairro Cidade Satélite, Andresson Dinardo de Almeida, de 38 anos, e Hederson Ferreira da Silva, de 28, cujas partes dos corpos foram encontradas em avançado estado de decomposição dentro de uma fossa séptica, na tarde de quarta-feira passada, dia 15.
Embora a motivação possa não ter nada a ver com o tráfico de droga e as suspeitas recaiam sobre um venezuelano como executor do bárbaro crime, as circunstâncias do duplo assassinato indicam uma prática muito semelhante à forma de agir de uma facção venezuelana, conforme tem-se visto em outros casos, inclusive com a descoberta de cemitério clandestino.
Enquanto tudo isso ocorre, tráfico de drogas, assaltos e outros crimes ocorrem nos bairros da periferia de Boa Vista, temos uma polícia que só age por meio de ações pontuais. Para piorar, surgiu outra séria denúncia de violência policial no Residencial Vila Jardim, contra um jovem que foi violentamente espancado, na manhã dessa quinta-feira, 16.
Trata-se de um rapaz sem envolvimento com o crime e que estava sozinho, sentado na calçada de um dos blocos do residencial, quando foi abordado, levado para um corredor e espancado, além de spray que chegou a atingir moradores que estavam em seus apartamentos. Apesar de proibidos de abrirem a porta, os moradores gravaram o áudio do desespero do rapaz e a viatura saindo do local. O rapaz foi sequer detido, já que foi verificado que ele fora abordado por engano.
Não pode ser esquecido que a violência policial é outro reflexo da criminalidade descontrolada, pois começam a surgir grupos que passam a agir por contra própria, usando a violência e forjando situações, além do surgimento de milícias que começam a matar criminosos, mas que depois acabam avançando em suas ações ilegais e fazem inocentes como vítimas. E isso só na periferia, enquanto os bairros nobres são bem vigiados.
Em Roraima, há casos de investigações de policiais militares que foram presos sob acusação de formação de milícia e mortes por simulação por confronto. A Operação Janus I e II, no ano passado, pela Polícia Civil, que passou a investigar pelo menos 15 casos de confrontos policiais em que ocorreram mortes que podem ter ocorrida sob simulação.
A consequência disso é que Roraima, em 2023, registrou um aumento de mais de 200% em mortes registradas em decorrência de intervenção policial, fazendo com que o Estado alcançasse o vergonhoso primeiro lugar do país no crescimento de casos de intervenção policial com resultado morte, revelando outra face da violência a que a população está submetida.
Esse é o retrato da realidade da Segurança Pública, em que autoridades e políticos dizem estar tudo bem. Pode estar bem do outro lado da cidade, nas áreas nobres onde eles moram. Porque nos bairros mais afastados da área central a guerra de facções não tem mais como vítimas apenas venezuelanos em acerto de conta, mas pessoas inocentes, deixando a população insegura e aterrorizada. Aonde ir para a igreja a pé ficou perigoso.
*Colunista