Kombi do transporte escolar da Vicinal 2 da Vila Serra Dourada, em Caracaraí, pegou fogo na segunda-feira (Imagens: Reprodução)

A cena não poderia ser mais emblemática. Enquanto a questão do transporte escolar se tornou um grande problema nas escolas do interior e comunidades indígenas da rede estadual de ensino, uma Kombi que fazia o transporte de estudantes na Vicinal 2 da Comunidade Serra do Dourada, no Município de Caracaraí, a Centro-Sul do Estado, pegou fogo no meio da estrada. Nem extintor havia, com o motorista tentando apagar o fogo com um balde de água.

Pelo que se pode analisar, esse incidente poderia ter custado a vida de estudantes, uma vez que não há fiscalizações eficientes para identificar a situação dos veículos que atuam nas mais distantes regiões e cobrar o que exige a legislação no que diz respeito à manutenção regular para garantir seu bom funcionamento e a segurança, com revisões periódicas, incluindo aí o sistema elétrico.

Mas essa questão é apenas um dos problemas que se arrastam há muito tempo quando se trata de empresas contratadas para realizar o transporte escolar em Roraima. Auditorias realizadas em outros tempos já vinham identificando irregularidades na execução dos serviços e, mais recentemente, cobranças indevidas por rotas não realizadas.

O Departamento de Apoio ao Transporte Escolar da Secretaria Estadual de Educação (Seed) inclusive apontou, em julho deste ano, que empresas de oito municípios haviam cobrado R$ 4,3 milhões por rotas não cumpridas: Amajari, Normandia, Caracaraí, Uiramutã, Pacaraima, Mucajaí, Cantá e também na zona rural de Boa Vista.

Não só isso. Foi apontado ainda negligência com a segurança dos estudantes, com motoristas sem habilitação pertinente ou sem o curso obrigatório para transporte escolar, bem como veículos com mais de sete anos de fabricação (o que parece ser o caso da Kombi incendiada em Caracaraí), documentação vencida ou em situação irregular.

Não se sabe que fim levaram os 19 processos abertos pela Seed, na época, para apurar os danos aos cofres públicos e apontar os responsáveis pelos supostos esquemas. Inclusive o Ministério Público de Contas (MPC) abriu investigação a respeito da cobrança indevida feita por donos de empresas de transporte escolar.

O que se sabe, de verdade, é que os esquemas no transporte escolar vêm de longas datas, conforme revelou a Operação Zagarata, deflagrada pela Polícia Federal em dezembro de 2019, que investigou um desvio milionário de verbas do transporte escolar. Em um dos contratos, no valor de R$78 milhões, os pagamentos irregulares chegavam a R$50 milhões.

A Justiça não deixou esse caso impune, o qual ocorreu na gestão da então governadora Suely Campos, que sofreu intervenção federal e não concluiu o mandato, que foi cercado por outros casos de corrupção, inclusive no sistema prisional. No caso do escândalo do transporte escolar, os ex-secretários estaduais de Educação Aline Karla Lira de Oliveira e Shiská Pereira foram condenados pela Justiça Federal a mais de 19 anos de prisão.

Com eles foram condenados o chefe da Divisão de Transporte Escolar, o diretor do Departamento de Apoio ao Educando (DAE), o gerente administrativo da empresa Diamond que alugava os veículos e o contador da referida empresa. Conforme os autos do processo, os envolvidos no esquema falsificavam documentos de prestação de serviços e licitações.

Como é possível notar, quando se trata de Educação, os escândalos não param por aí e avançam sobre aquisição de material de didático, merenda escolar, obras de reforma e ampliação, além de outros setores. Uma Kombi queimada no meio de uma vicinal é tão somente uma pequena ponta do que tudo isso representa.

*Colunista

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