JESSÉ SOUZA

Incêndios cada vez mais frequentes e severos diante do esforço mínimo das autoridades

Fogo vem devastando toda vegetação do lavrado no Amajari desde sexta-feira passada ao longo da RR-203 (Foto: Jessé Souza)

A forte estiagem que atinge o Estado não poderia ser diferente: imensas áreas de lavrado estão sendo devastadas pelo fogo sem que os órgãos governamentais consigam fazer algo relevante, a não ser fazer rescaldos e se juntarem a voluntários para tentar evitar que as labaredas avencem sobre a vegetação de áreas habitadas ou prejudique ainda mais a produção agropecuária.

Foram quatro anos de chuva em todo o Estado, o que garantiu o controle do fogo durante este período em que a seca não predominou. No entanto, enquanto chovia não foram tomadas as decisões necessárias para equipar o Corpo de Bombeiros e a Defesa Civil, treinar e criar brigadas de combate a incêndio nos municípios, ajudar a estruturar a Defesa Civil nos municípios e realizar campanhas de orientação e educativas.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE



CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE



Tempo suficiente houve. O que não houve foi interesse político, pois geralmente os grandes incêndios prejudicam principalmente comunidades indígenas, pequenas e médias propriedades rurais ao longo das rodovias, além de regiões de proteção ambiental que não são do agrado de políticos (eles querem que áreas protegidas se danem em qualquer tipo de degradação).

Na região Norte do Estado, em toda extensão dos lavrados e florestas do Município do Amajari, os incêndios têm sido recorrentes desde quando iniciou o verão roraimense, no ano passado. De lá para cá, os incêndios já se repetiram ao menos três vezes, o que mostra uma situação preocupante de que o fogo tem se tornado mais frequente, com maior intensidade e em extensões cada vez maiores.

Na Serra do Tepequém, ponto turístico mais importante do Estado localizado no Amajari, o cenário se repete, com três grandes incêndios que devastaram a já frágil vegetação que foi agredida severamente pelo garimpo de diamante desde a década de 1940 até o início dos anos 2000, com riscos novamente do desaparecimento de espécies da fauna e da flora que conseguiram resistir ao garimpo.

O solo de Tepequém até hoje tenta se recuperar das grandes erosões provocadas pela degradação ambiental, onde as voçorocas podem avançar se a vegetação continuar devastada pelo fogo, comprometendo inclusive o lençol freático, que por sua vez ameaça os poções (lagoas) remanescentes do garimpo e o nível das águas das cachoeiras, os quais representam os principais atrativos turísticos. A serra é uma imensa caixa d’água que está sob constante ameaça, sendo o fogo uma delas e cada vez mais rápido e recorrente.

Desde sexta-feira passada, os incêndios avançaram em outras regiões, cuja cena desoladora da destruição pode ser vista porque quem transita pela RR-203, estrada que atravessa todo o Amajari até a Serra do Tepequém. Áreas imensas de lavrados e florestas das fazendas Bacabal, Caravela e Desterro haviam sido engolidas até ontem pelas labaredas que avançam impiedosamente alimentadas pelos fortes ventos comuns nesse período do ano.

A Defesa Civil Municipal foi chamada já na manhã de sexta-feira, quando o fogo começou a se alastrar, mas a ajuda chegou cinco horas depois, uma vez que a demanda é grande e não há estrutura suficiente para respostas rápidas, inclusive os brigadistas estão sem receber porque o contrato não foi renovado pelo município. O Corpo de Bombeiros também não tem estrutura nem efetivo suficiente. E só chega quando não tem mais o que fazer.

É fato que o cerrado roraimense vem sendo moldado pelo fogo historicamente. No entanto, os incêndios têm sido cada vez mais frequentes, severos e criminosos, atingindo matas ciliares dos rios e a vegetação que protege os lagos naturais, responsáveis pela biodiversidade da região e que servem de abrigo de muitas espécies. O fogo mata inúmeras espécies não adaptadas ao fogo e outras que não conseguem fugir a tempo. É uma situação muito delicada e que não alarma a opinião pública.

As autoridades estão inertes e escoradas na alegação de que o fogo é cultural. No entanto, as mudanças climáticas cada vez mais imprevisíveis, com os incêndios recorrentes e mais devoradores, podem provocar realidades severas para o clima, a agricultura, a biodiversidade e ainda para o turismo, a exemplo do Tepequém atingido pela forte seca e os seguidos incêndios. Mas quem está preocupado com isso?

*Colunista

[email protected]