FALANDO DE NEGÓCIOS

DO HERÓI AO ESQUECIDO : A Triste metamorfose da relação entre pais e filhos

DO HERÓI AO ESQUECIDO : A Triste metamorfose da relação entre pais e filhos

Quando somos crianças, nosso pai é o gigante que segura o mundo com as próprias mãos. É o herói que espanta monstros imaginários, que transforma dificuldades em soluções e que, com um simples “vai dar tudo certo”, devolve a paz ao coração. Ele é o super-homem sem capa, mas com braços largos o suficiente para abrigar todo o nosso universo.

Na infância, acreditamos que nada o derruba, que seu amor é infinito e que sua presença é inabalável. É ele que segura firme a bicicleta enquanto aprendemos a pedalar, que nos levanta quando caímos e que, mesmo cansado do trabalho, ainda se ajoelha para brincar no chão da sala. É a figura que, segundo o escritor August Cury, “ensina mais pelo exemplo silencioso do que por mil discursos”.

Mas o tempo é implacável e silencioso e começa a corroer essa imagem. A adolescência chega como um vendaval. A ânsia por independência nos faz enxergar o pai não mais como referência, mas como obstáculo. O que antes era “sabedoria” passa a ser rotulado de “opinião ultrapassada”, o “quadradão”. O que antes era proteção, agora soa como controle. O herói de ontem se torna o “vilão” de hoje.

Essa transição não acontece de forma abrupta. É quase imperceptível, um distanciamento que cresce como erva daninha. As conversas diminuem, as respostas se tornam curtas, e o olhar já não é de admiração, mas de julgamento. O pai passa de modelo a ser seguido para homem a não ser obedecido.

Lembro-me de uma frase que meu pai dizia sempre: “Filhos não são bem de raiz”. Na época, eu não compreendia. Achava até um comentário frio. Mas a vida tratou de me mostrar a verdade amarga que havia ali. Filhos crescem, criam asas e, muitas vezes, esquecem das raízes que lhes deram sustento.

A ingratidão de um filho não precisa ser explícita para ferir. Às vezes, ela se manifesta na indiferença. No aniversário do pai, a ligação rápida feita entre uma reunião e outra. No fim de semana, a desculpa de estar “cansado demais para visitar”. Quando as dificuldades da velhice chegam, a doença, a limitação física, a aposentadoria que reduz o padrão de vida, o pai deixa de ser o centro para se tornar um peso.

É como se houvesse um prazo de validade para a gratidão. O escritor Machado de Assis dizia: “A ingratidão é filha da soberba”. E, de fato, quando acreditamos que conquistamos o mundo sozinhos, nos esquecemos de quem pavimentou o caminho para que pudéssemos andar.

Um exemplo disso me marcou profundamente. Conheci um senhor que, ao longo da vida, criou quatro filhos sozinho depois da morte da esposa. Trabalhou em dois empregos, deixou de comprar roupas novas por anos para pagar a faculdade deles. Hoje, aposentado, vive sozinho numa casa simples. Os filhos, todos bem-sucedidos, aparecem apenas no Natal. “Eles têm a vida deles”, ele diz, tentando disfarçar a mágoa. Mas seus olhos denunciam a solidão.

O problema é que a consciência raramente chega cedo. Quando o pai adoece gravemente ou parte de forma inesperada, o peso do remorso se instala. A saudade não é apenas pela presença física, mas pela falta de palavras ditas, de gestos feitos. O abraço que foi adiado. A conversa que não aconteceu.

Quantos filhos, diante do caixão do pai, não pensaram: “Eu poderia ter sido mais presente”? Mas, nesse momento, já é tarde. Como disse o poeta Mário Quintana: “O tempo é um rio que corre sem voltar”. Não há segunda chance para viver o hoje que foi desperdiçado ontem.

Lembro-me de um amigo que, durante anos, evitava falar com o pai por conta de uma briga antiga sobre negócios. O velho morreu de infarto repentino, e meu amigo passou meses sem conseguir dormir, remoendo a última conversa que tiveram, uma conversa carregada de raiva e mágoa. Hoje, ele aconselha todos que conhece: “Não guardem distância. Não vale a pena.”

Há um momento inevitável na vida em que o pai deixa de ser aquele que nos carrega nos ombros para ser aquele que precisa do nosso braço para caminhar. Essa inversão de papéis é natural, mas, para muitos, é desconfortável. A imagem do herói enfraquecido incomoda, porque nos lembra que o tempo é cruel.

É aí que muitos filhos se afastam, inconscientemente ou não. Não querem lidar com a vulnerabilidade de quem já foi inabalável. Mas é justamente nesse momento que o pai mais precisa de nós — não para pagar contas ou resolver problemas, mas para ouvir, para estar junto, para provar que o amor que ele nos deu não foi investimento perdido.

A frase “Filhos não são bem de raiz” é verdadeira na biologia, mas não precisa ser um destino inevitável no afeto. Podemos escolher cultivar a gratidão, não como obrigação moral, mas como reconhecimento genuíno. Gratidão é um verbo: se pratica, se demonstra, se fala.

Podemos telefonar sem motivo, visitar sem data marcada, ouvir histórias repetidas como se fossem inéditas. Podemos valorizar a presença antes que a ausência nos ensine o valor do que foi perdido.

Se o pai já não tem a mesma força física, podemos lembrar que a verdadeira força dele sempre esteve na resiliência, na capacidade de suportar fardos para que nós não precisássemos carregá-los. E, se houver divergências ou mágoas, é preciso entender que nenhum relacionamento é isento de falhas, mas o saldo de amor e sacrifício quase sempre supera qualquer desentendimento.

Do herói ao esquecido, do super-homem ao super fraco: essa metamorfose é parte da vida. Mas não precisa ser acompanhada de ingratidão. Podemos escolher honrar quem nos deu a vida e lutou para nos dar um futuro, mesmo quando já não nos oferece mais o que consideramos útil.

O tempo é implacável. Ele leva a juventude dos pais, e, muitas vezes, leva também a chance de pedir desculpas ou dizer “eu te amo”. Por isso, a maior prova de maturidade não é conquistar independência, mas reconhecer de onde viemos e quem nos guiou até aqui.

Meu pai tinha razão: “Filhos não são bem de raiz”. Mas talvez, com consciência e amor, possamos ser exceção à regra e provar que raízes bem cuidadas não se perdem, apenas se aprofundam.

Por: Weber Negreiros
W.N Treinamento, Consultoria e Planejamento
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