Embora não haja ocorrência de nenhum caso por aqui, Roraima recebeu 24 doses de fomepizol, que é antídoto usado para tratar casos de intoxicação por metanol. Mas o que chama a atenção é que essa crise provocada por bebidas adulteradas poderia ter sido evitada, caso o governo Michel Temer, em 2016, não tivesse desativado o Sistema de Controle de Produção de Bebidas (Sicobe), que havia sido criado em 2008 para combater sonegação e adulteração no setor de bebidas.
Operado pela Casa da Moeda e vinculado à Receita Federal, o Sicobe permitia a fiscalização em tempo real da produção de cervejas, refrigerantes e destilados, utilizando equipamentos instalados nas fábricas. A desativação do sistema foi justificada pelo alto custo de manutenção e pela busca por soluções mais baratas, o que acabou provocando preocupações entre entidades do setor, que argumentavam que a falta de controle fiscal facilitaria a ação do crime organizado e colocaria em risco a vida dos brasileiros. Não deu outra.
Quando não há regras e as empresas passam a fazer uma autorregulação, abrem-se todas as possibilidades para que o crime organizado se infiltre. Esse é o alerta que foi dado também para a questão do licenciamento ambiental, quando se permite o autolicenciamento não só por parte dos próprios produtores, como também quando governos estaduais e municipais, por meio de seu órgão ambiental, passam a licenciar suas próprias atividades. Trata-se de um pavimentado caminho para esquemas e o surgimento de organizações criminosas.
Não precisa ir muito longe quando se trata de crimes ambientais. Em Roraima, sócios de um grande frigorífico roraimense, incluindo o próprio governador, acumularam R$ 20 milhões em multas por crimes ambientais. Cinco sócios da empresa, do total de 10, receberam 18 multas ambientais entre 2005 e 2019 que somam R$ 20 milhões. O governador sofreu multa de R$ 135 mil, em 2018, pelo desmatamento de 26,6 hectares de floresta sem autorização, no Município de Iracema, onde possui fazendas.
Em 2022, um levantamento realizado pela Agência Pública e Repórter Brasil apontou que, nas duas últimas décadas, cinco senadores da Comissão de Agricultura foram multados em R$ 444,9 mil por infrações e crimes ambientais, como desmatamento. Curiosamente, eram eles os responsáveis por analisar mudanças na lei que podem provocar grandes estragos ao meio ambiente, populações indígenas e pequenos produtores rurais do país.
Um dos senadores ruralistas citados na lista dos que já foram multados por desmatamento é Chico Rodrigues, que na época era suplente na Comissão de Agricultura e membro da bancada ruralista, além de ter sido vice líder do governo Bolsonaro. Ele havia recebido a maior multa dentre o grupo de senadores autuados pelo Ibama. Foram R$ 189 mil por impedir a regeneração natural de 629 hectares de floresta convertida em pastagem na fazenda Cacimba Nova, em São Luiz do Anauá, Sul de Roraima. Conforme a publicação, a infração aconteceu em 2006, quando ele ainda não era senador, e o caso foi ajuizado.
Hoje o país assiste, estarrecido, os casos de morte por quem ingere bebidas alcóolicas falsificadas por falta de um sistema que monitore e evite a adulteração no setor de bebidas. Da mesma forma, será questão de tempo as tragédias ambientais quando todo o aparato de licenciamento ambiental for desmontado para que os grandes desmatadores possam fazer a autodeclaração, ou seja, com desmatadores emitindo suas próprias licenças. Será questão de tempo. Para esse grande mal não há antídoto.
*Colunista