
No mesmo momento em que o Rio de Janeiro segue contabilizando seus mortos na mega operação policial em duas grandes comunidades controladas pelo crime organizado sob o domínio do Comando Vermelho (CV), o melhor que os demais estados brasileiros podem fazer é cuidar do seu quintal; ou seja, analisar a realidade do crescente poder das facções criminosas que dominam o país e discutir o que pode ser feito a partir de uma união por parte de todos os níveis de governo.
Em Roraima, são várias as matérias jornalísticas, estudos científicos e relatórios de instituições de Segurança Pública que há tempos vêm apontando o fortalecimento do crime organizado e a movimentação das facções criminosas vindas de São Paulo, Rio de Janeiro e da vizinha Venezuela, que encontraram no garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami um ponto convergente. Lembrando que o garimpo ilegal teve sinal verde no governo anterior.
A imensa, distante e hostil floresta na terra indígena calhou muito bem não somente como um território propício para esconderijo e oferta de serviço de pistolagem, mas desta vez como nova forma de traficar drogas, armas e munições, além de ganhar e lavar dinheiro da garimpagem de ouro e cassiterita, que pode ser traduzido como o narcogarimpo, que contaminou as instituições locais. Sem contar com outros tipos de negócios ilegais, como tráfico de mulheres para exploração sexual.
Um pouco antes do narcogarimpo, as autoridades já sabiam que as facções criminosas PCC e o CV chegaram a Roraima em 2013. Como a realidade foi ignorada, eclodiu a partir de 2015 uma guerra entre os faccionados por disputa de território, realidade esta que possibilitou um aumento em 218% do número de homicídios em Boa Vista. Foi a partir daí que essa guerra chegou à Terra Yanomami com a disputa por frentes de garimpagem que passaram a se tornar a nova fonte de ganhar dinheiro.
Toda essa realidade não foi inventada pela imprensa ou alardeada em narrativas sem provas. Os dados estão no relatório da Cartografias da Violência na Amazônia do Fórum Brasileiro de Segurança Pública de 2024. Naquela época, havia relatos de que, na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, existiam três classificações principais entre os internos faccionados: PCC, CV e Sindicato, este último um novo grupo crimino formado por bandidos venezuelanos que chegaram junto com a migração em massa.
Conforme o relatório, foram as primeiras notícias sobre esses grupos venezuelanos que se autointitulavam “Sindicato del Crimen”, que era uma referência aos membros de diversos grupos criminosos antigos na Venezuela que ficaram conhecidos como “Sindicatos”, entre eles o sanguinário El Tren de Aragua. O documento afirma ainda que foi identificado um grupo chamado “Casa Podrida”, que atuava em alguns abrigos humanitários para migrantes venezuelanos mantidos pela Operação Acolhida.
A partir daí pode-se ter noção dessa guerra urbana entre faccionados que registra recorrentes mortes por execução em via pública e o cemitério clandestino encontrado recentemente. O documento da Cartografias do Crime na Amazônia já relatava violentos conflitos na terra indígena entre PCC e CV, com execuções sumárias, além de uma situação de tensão constante entre o PCC e os grupos venezuelanos em diversos bairros de Boa Vista.
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Essa é a radiografia que vem sendo exposta desde a chegada das facções, cuja realidade vem sendo ignorada pelas autoridades há 12 anos, pois o crime se fortaleceu, se organizou e se infiltrou nos poderes constituídos. A grande diferença é que, no Rio de Janeiro, os moradores das comunidades das favelas são usados como escudo para frear as ações policiais. Em Roraima, o escudo são os políticos e seus familiares envolvidos com tráfico de droga e de armas, policiais investigados por milícia, secretários citados em corrupção e outras ações criminosas.
E a guerra continua ao estilo “faroeste caboclo”. Na noite de ontem, mais dois jovens foram mortos em Boa Vista com claros sinais de execução por acerto de conta, somando três assassinatos por facções somente neste semana, quando todos só enxergam a realidade do Rio de Janeiro.
*Colunista