
O Município de Alto Alegre se tornou não somente um suco da política roraimense, mas uma temperada salada de tudo o que ocorre nas entranhas do poder local. Não é fácil organizar os fatos, mas é necessário entender a mais recente notícia sobre o atual prefeito de Alto Alegre, Wagner Nunes. A Justiça Eleitoral cassou o mandato dele referente ao período em que ele era prefeito eleito em eleição suplementar, realizada em 2024, exatamente porque o prefeito anterior havia sido cassado por corrupção.
O prefeito anterior, Pedro Henrique, fora cassado por ter comprado voto distribuindo cestas básicas, o que motivou a proclamação de nova eleição para escolher um prefeito com mandato tampão. O detalhe é que Henrique chegou a ser preso por outro motivo, durante a Operação Leviatã, em agosto de 2023, cujo alvo foi uma suposta organização criminosa atuando nos cofres da Prefeitura de Alto Alegre, desviando dinheiro público por meio de fraudes em contratos de pavimentação, conservação de ruas por meio de tapa-buraco e iluminação pública.
Com a eleição suplementar marcada para ocorrer em 28 de abril do ano passado, praticamente foi transferida a sede do governo estadual para Alto Alegre, onde a máquina administrativa começou a trabalhar visivelmente a favor de Wagner Nunes, em uma verdadeira exibição de força sem qualquer parcimônia, contra o candidato adversário apoiado pele então prefeito cassado Pedro Henrique. Assessores, aliados políticos, servidores e secretários estaduais não escondem a cara durante as bandeiradas na sede e nas visitas às comunidades indígenas, onde foram feitos mutirões para concessão de benefícios sociais.
Naquele momento, o governador Antonio Denarium já havia sido cassado três vezes pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) por suposta compra de votos aos mesmos moldes do que estava sendo realizado em Alto Alegre. Depois veio a quarta cassação com os processos subindo para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde os recursos se desenrolam nos dias atuais com seguidos pedidos de vista.
Sendo assim, Alto Alegre se tornou uma localidade onde não há mais anjos e demônios, mas grupos liderados por políticos cassados por compra de votos, sem nenhuma perspectiva de mudanças, pois o prefeito cassado pela eleição suplementar segue como atual prefeito, depois de reeleito e que pode novamente ser cassado pelas mesmas práticas. É algo surreal, digno de um filme.
Enquanto isso, como reflexo do que ocorre na política, aquele município tornou-se cenário de terra arrasada. No ranking que aponta a qualidade de vida nos municípios brasileiros, em 2025, Alto Alegre é uma das três cidades brasileiras com os piores índices do país, junto com Uiramutã e Amajari, conforme o Índice de Progresso Social (IPS), desenvolvido pela organização Social Progress Imperative, o IPS, que mede a qualidade de vida considerando o desempenho social e ambiental de diferentes territórios.
Não só isso. A população alto-alegrense ficou no meio de um intenso fogo cruzado entre o garimpo ilegal na Terra Yanomami, a dominação da região por uma facção criminosa e a imigração venezuelana que chegou para ocupar as vilas ao longo das vicinais, cujos estrangeiros pobres servem de combustível para aquela realidade preocupante.
Como se sabe, o garimpo ilegal provoca sérios reflexos, já que a maior parte do dinheiro da venda dos minérios ilegais vai para outros estados, enquanto sobram para as cidades do entorno a criminalidade, o tráfico de drogas e de armas, que por sua vez é disputado pelo crime organizado, o qual costuma arregimentar principalmente jovens na ociosidade, incluindo imigrantes que chegam no desespero em busca de oportunidades e encontram mais pobreza.
Nem a principal estrada de acesso a Alto Alegre, a RR-205, escapa da omissão e do descaso do poder público, tornando-se na “rodovia da morte”, com seguidos casos de acidentes fatais, pois a estrada não tem fiscalização, nem obras de restauração, com a população tendo que tirar do próprio bolso para tapar buracos com barro e cimento. E cada morte que ocorre por lá pode ser creditada na conta desses mesmos políticos que disputam o poder em seguidas cassações por compra de voto.
Definitivamente, Alto Alegre é o exemplo mais clássico do que é a política roraimense…
*Colunista