
Em terra onde tirar Carteira Nacional de Habilitação (CNH) foi transformada em mais uma forma de comprar voto de eleitores em tempos de eleições, então não poderia ser diferente muita gente conduzindo sem o preparo devido. No passado, em Roraima, já houve políticos presos em flagrante pela Polícia Federal fazendo reuniões políticas em período eleitoral para conceder CNH. Como em outros casos, não deu em nada porque deram um jeito de anular as provas colhidas contra os políticos envolvidos.
Naqueles tempos de vale-tudo eleitoral, nos períodos próximos de eleições, era rotina promover “mutirões” nos municípios do interior para realizar, em fins de semanas, eventos para realizar exames psicotécnicos e as provas teóricas e práticas, cujo encerramento para entregar a primeira habilitação era regada a forró e churrasco, que é a fórmula adotada pelos políticos para arrebanhar eleitores.
Então, foi assim que muitos condutores roraimenses conseguiram sua CNH, com forró e cachaça no dia da entrega do documento, produzindo uma geração de gente despreparada para o trânsito. E isso não era uma prática ilegal e criminosa limitada a Roraima, mas também em várias regiões do país, cenário que foi transformado a partir da mudança da lei que criou o papel dos Centro de Formação de Condutores (CFC), como passaram a ser chamadas as autoescolas, no fim da década de 1990.
Pelo cenário atual de desrespeito e despreparo no trânsito, com mortes constantes em acidentes, percebemos que essa mudança para que CFCs formassem e qualificassem os condutores para obtenção da CNH serviu para o surgimento de uma grande máquina de ganhar dinheiro, com a obrigatoriedade de pagar pelas aulas teóricas e práticas, impedindo que muitas pessoas de baixa renda conseguissem se habilitar.
Hoje, estamos diante de uma mudança substancial em que o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) tomou a decisão, nesta segunda-feira, 1º, de retirar a exigência de pagar autoescola para tirar a CNH, simplificando etapas para a obtenção da habilitação para dirigir e reduzindo o custo para obter o documento, que passará a ficar até 80% mais barato, conforme a previsão das autoridades.
Essa medida tomada ontem só começará a valer quando for publicada no Diário Oficial da União (DOU), o que pode ocorrer nos próximos dias. Com essa decisão, para obter a CNH não será mais obrigatório se submeter ao pagamento de uma autoescola. No entanto, segue na obrigatoriedade pagar as taxas para fazer as provas teóricas e práticas realizadas pelo Departamento Estadual de Trânsito (Detran), onde nada foi alterado, a não ser o fim da exigência de pagar para fazer novas provas.
Detalhe: a mudança não acaba com as autoescolas e ainda foram criadas novas formas de se preparar. O candidato poderá optar por estudar o conteúdo das provas nas autoescolas ou também pode estudar forma autônoma, em casa, por meio de ensino à distância (EAD) por empresas credenciadas; ou ainda acessar o material digital disponibilizado gratuitamente pela Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) para estudar por conta própria.
Significa que a resolução prevê curso teórico gratuito e digital, flexibilização das aulas práticas e abertura para instrutores credenciados pelos Detrans, reduzindo a dependência de modelos únicos que funcionavam como uma grande indústria que monopolizava tudo, sem deixar opções para o cidadão. Agora, abertura do processo para tirar a primeira CNH passará a ser feita pelo site do Ministério dos Transportes ou pela Carteira Digital de Trânsito (CDT).
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Os alarmistas já alegam que esse novo modelo irá permitir que mais pessoas despreparadas consigam permissão para dirigir, piorando o cenário de acidentes e mortes no trânsito, o que não é verdade, pois os candidatos continuarão fazendo as mesmas provas práticas e teóricas no Detran, passando somente se estiverem preparados. O fato é que, no atual modelo, conforme o Ministério dos Transportes, 20 milhões de brasileiros dirigem sem habilitação, além de outros 30 milhões com idade para tirar a CNH.
Se no passado tirar CNH era mais uma forma de comprar votos e, atualmente, o modelo serve para beneficiar uma máfia formal para arrancar dinheiro do cidadão, sem que consiga preparar o condutor para uma mudança de mentalidade no trânsito, então é crível acreditar que nada irá mudar no atual quadro, com as novas regras, enquanto a questão do trânsito não for tratada como uma necessidade de aprendizagem e formação desde a infância.
Sendo assim, diante de todo esse quadro, seguiremos como um país que só reproduz adultos que não querem se conscientizar nem respeitar leis básicas, a não ser quando as multas doem no bolso.
*Colunista