JESSÉ SOUZA

Caso Ereu e uma saga que vem de longe, mas sempre ignorada pela opinião pública

Relatório da CPI da Grilagem de Terras da Assembleia Legislativa de Roraima (Foto: Eduardo Andrade/SupCom ALE-RR)

Antes tarde do que nunca. Com pelo menos cinco anos de atraso, as autoridades finalmente chegaram ao rumoroso caso da Gleba Ereu, no Município de Amajari, Norte do Estado. A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Grilagem de Terras, da Assembleia Legislativa de Roraima, recomendou e o Ministério Público de Contas (MPC) denunciou ao Tribunal de Contas do Estado (TCE) os envolvidos na suposta participação em esquema de grilagem que teria causado um prejuízo de R$ 25,5 milhões na Gleba Ereu.

Entre os denunciados está o pecuarista Ermilo Paludo, apontado como o cabeça do suposto esquema que teria grilado uma área de 17 mil hectares por meio de fraude, conforme apontou a CPI. O relatório aponta Paludo como chefe do esquema que fracionou áreas entre familiares e associados, utilizou “laranjas” para burlar a legislação e se beneficiou economicamente das terras. Os crimes a ele atribuídos são falsidade ideológica, estelionato, usurpação de terras públicas, associação e organização criminosa, crime contra a ordem econômica e fraude à licitação.

Embora as evidências tenham sido apontadas somente agora, as denúncias remontam a governos anteriores e se intensificaram no atual, mais precisamente em 2019, quando Ermilo Paludo, sócio de Denarium e considerado um dos maiores produtores de Roraima, foi um dos agraciados no programa de suposta regularização fundiária com uma área totalmente coberta por floresta preservada no Amajari, a apenas 7 Km da Terra Indígena Santa Inez, dentro da faixa de fronteira com a Venezuela. Foi a partir daí que tudo começou até chegar à CPI da Grilagem de Terras.

Em novembro de 2022, a fazenda foi repassada ao pecuarista a título de “doação”, ou seja, sem custo algum, quando Denarium assinou o título definitivo, que em sua cláusula segunda diz que o imóvel tem “objetivo de prover subsistência e a progressão social e econômica dos ocupantes”. Até janeiro de 2023, imagens de satélite mostravam que a área estava totalmente coberta por floresta, sem ocupação anterior. No entanto, a lei estadual 976/2014 diz que a regularização fundiária será realizada para “quem comprovar a ocupação mansa e pacífica”.

No cadastro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) consta que Paludo tem sete propriedades rurais cadastradas, incluindo a fazenda que ele recebeu do governo estadual no Amajari, somando 8,5 mil hectares de terras. A denúncia teve ampla repercussão em sites especializados em defesa do meio ambiente da época, mas não ganhou eco em Roraima. Inclusive, os fatos não param por aí. Antes mesmo de receber a titulação da área, Paludo pediu autorização para minerar.

Foram quatro pedidos de mineração autorizadas pelo general Augusto Heleno, então ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, em dezembro de 2019. Os pedidos foram feitos em nome de Jairo Mesquita de Lima, que é procurador de Paludo nos processos de regularização fundiária da área, um dos indiciados pela CPI. O general autorizou a mineração de 38,5 mil hectares em área de floresta amazônica.

Mas os casos não param por aí. Paludo e outros sócios do Frigo10, incluindo o próprio governador, acumularam R$ 20 milhões em multas por crimes ambientais. Cinco sócios da empresa, do total de 10, receberam 18 multas ambientais entre 2005 e 2019 que somam R$ 20 milhões. Denarium sofreu multa de R$ 135 mil, em 2018, pelo desmatamento de 26,6 hectares de floresta sem autorização, no  Município de Iracema, onde possui fazendas.

A saga de Paludo vai mais além. Por mais de 20 anos ele criou gado dentro da Terra Indígena Yanomami, acumulando R$ 3,7 milhões em multas e embargos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Foram 746 hectares de áreas embargadas pelo Ibama em 2013 dentro da terra indígena, o que foi motivo de barulhentos conflitos com os indígenas, impedidos de passar pela área, os quais foram divulgados na imprensa local, na época, especialmente na FolhaBV.

Para se manter na Terra Yanomami, Paludo liderava movimentos contra a demarcação das terras indígenas desde a década de 1990. Até 2008, ele impediu que as equipes da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) fizessem a medição topográfica da área onde mantinha fazendas, dificultando a desintrusão da área. A homologação da Terra Indígena Yanomami ocorreu em 1992, mas desde 991 a propriedade de Paludo deveria ter sido desapropriada e indenizada, o que não correu.

O pecuarista sempre recorreu à Justiça, mas perdeu todas as ações que tentavam mantê-lo no local. Em 2004, o Tribunal Regional Federal reconheceu em definitivo que as terras da região do Ajarani, no Município de Caracaraí, pertencem aos Yawaripë, um subgrupo do povo Yanomami. Mas a decisão não foi suficiente para que ele saísse, mantendo as atividades e introduzindo milhares de cabeças de gado na terra indígena, chegando a ser o maior produtor de Roraima, sócio de outros pecuaristas, incluindo Denarium.  

Até que em 2013 foram aplicadas as multas e efetivados os embargos das fazendas de Paludo e de seus parentes pelo Ibama, totalizando 12 fazendas na região do Ajarani. Foram 19 autos de infração contra Paludo e outras seis pessoas, entre elas a irmã, o cunhado e outras pessoas ligadas a ele. O grupo foi multado em R$ 14,6 milhões. Somente em 2014, após acordo com o Ministério Público Federal (MPF), o pecuarista deixou a Terra Yanomami por meio de indenização.

E tudo isso foi a público ao longo dos anos (fonte: Infoamazonia 16 fevereiro 2023), mas somente agora surge como uma grande novidade por meio da CPI das Terras e da decisão do MPC. A memória de nossa sociedade realmente é curta e seletiva.

*Colunista

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“As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do Jornal”

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