O Comitê Pró-Cultura, em conjunto com entidades e movimentos dos segmentos culturais de Roraima, emitiu uma Carta Aberta para denunciar o que a entidade classifica como inconsistências e graves erros na execução dos editais de chamamento público pela Secretaria Estadual de Cultura e Turista (Secult) com recursos da Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (Pnab). É importante que os órgãos de controle estejam atentos não apenas no que diz respeito a irregularidades apontadas nos editais, mas à boa aplicação de recursos públicos.
Ao questionar as ações da Secult, a carta dos fazedores de cultura cita a falta de cronograma, impedimento de acesso à informação, nomeação indevida de pareceristas, interferência no processo de avaliação, erros na avaliação das propostas, classificação de candidatos sem que tenha atuação na área, indução suspeita de remanejamento de vagas e resultado final que ignora as etapas dos editais, inclusive com autorização para pagamento mediante “lista parcial” de contemplados.
A própria contestação do processo já é preocupante, uma vez que todas as condições para executar a Lei 14.399/2022 precisam ser definidas por meio de diálogo com a sociedade civil no setor cultural, respeitando a diversidade, a democratização e a universalização do acesso à cultura no Brasil. No entanto, a carta afirma que, desde o lançamento, os editais passaram a ocorrer mediante diversas discrepâncias e inconsistências, sinais de má gestão dos processos e dos recursos, comprometendo a transparência dos editais e sua execução.
As entidades alegam que os editais foram executados sem qualquer cronograma de acompanhamento, impedindo acompanhamento dos trabalhos do processo e acesso a informações, até mesmo pelo site da Secult, cujos dados foram direcionados de forma precária para outro endereço não oficial. O documento diz que houve ausência de arquivo de confirmação da proposta enviada; avaliações de propostas disponibilizadas de maneira arbitrária, para apenas alguns proponentes, muitos dias antes da divulgação oficial do resultado preliminar; erros da plataforma no momento da inscrição; e itens obrigatórios para inscrição adicionados após a abertura das inscrições.
A carta relata, ainda, nomeação indevida de parecistas inaptos para avaliar segmentos e categorias a eles designados, ignorando profissionais aptos. Cita a participação constante de concorrentes ao certame em reuniões deliberativas sobre o edital, em especial sobre o sistema de avaliação de candidaturas, o que não apenas compromete essas candidaturas, como também toda lisura do processo de avaliação das propostas.
As entidades apontam vários erros no processo de avaliação das propostas, como não atendimento dos critérios de avaliação dos editais; notas atribuídas sem justificativa e/ou notas incompatíveis com as justificativas apresentadas; proponentes cujas avaliações das propostas sequer foram disponibilizadas em tempo hábil para recurso; avaliações e interpretações dos pareceristas que contradizem os parâmetros estabelecidos pelos editais; além de propostas desclassificadas de forma arbitrária e incompatível com as cláusulas dos editais.
Sobre a análise de recursos, o documento assinala falta de transparência e a suspeita de parcialidade no tratamento e análise dos pedidos de recursos, com os resultados individuais dos recursos disponibilizados para cada proponente muito após a divulgação do resultado final da etapa de seleção, levantando suspeitas de alterações deliberadas e irregulares no resultado final dessa etapa dos editais.
O que não é menos grave, conforme a denúncia, é que na lista final de classificação e seleção, disponibilizada no dia 22 passado, apareceram várias pessoas físicas e jurídicas que não atuam no setor cultural, muitas das empresas com cadastro de pessoa jurídica feito com menos de dois anos, o que a legislação determina a desabilitação sumário por não cumprirem a disposição de atuar/residir no Estado há pelo menos dois anos.
A denúncia ainda relata a publicação de um “resultado final” sem que todas as etapas dos editais tenham sido executadas, com seus devidos períodos de inscrição e recursos. E o que muito mais grave: a carta afirma que a Secult solicitou pagamento para parte dos proponentes apontados como classificados por meio de uma “lista parcial” de contemplados, o que fere a legislação, pois o pagamento só deve ser feito por meio da conclusão total de todas as etapas de habilitação dos editais e publicação dos contemplados por meio do resultado final de habilitação.
Trata-se de uma questão séria não apenas no que diz respeito à aplicação de recursos públicos, mas também porque o investimento na arte e cultura precisa chegar a quem realmente necessita, pois a legislação foi feita para que esses editais sejam um importante instrumento que garanta ao povo meios de se expressar, firmar sua identidade, ter acesso à inclusão social e às transformações sociais necessárias, como o senso crítico.
No entanto, senso crítico é um instrumento imprescindível para formar cidadãos de verdade, e não apenas massa de manipulação e formação de curral eleitoral para manter o sistema favorável aos mais ricos e poderosos. É tudo isso o que os políticos justamente não querem…
*Colunista