Jessé Souza

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Ataque à vacina não pode ser tratado como ‘liberdade individual’

Jessé Souza*

No dia 14 de novembro passado, no artigo intitulado “Talvez não haja mais tempo para rever conceitos quando se chega a uma UTI”, esta coluna comentou sobre o nefasto efeito das fake news disseminadas contra a vacina para a Covid-19, ilustrando o contexto com o caso de uma senhora indígena de 58 anos de idade.

Aquela mulher, por acreditar nas mentiras propagadas incisivamente pelos negacionistas nas redes sociais e grupos de WhatsApp, não havia tomado a vacina e contraiu a doença, quando acabou entubada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Geral de Roraima (HGR), onde lutou pela vida por quase duas semanas.

Ao conseguir se recuperar, saiu sem sequelas graves, numa surpreendente recuperação, conforme os médicos. Antes de ser entubada, ao chegar ao Hospital de Retaguarda, já em estado grave, ela implorou para tomar a vacina, o que não seria possível. Após recuperar sua saúde, finalmente recebeu a primeira dose. Porém, de forma também surpreendente, às vésperas da data de receber a segunda dose, esta semana, a mulher comunicara à família que não queria mais tomar a vacina.

O motivo: a senhora recebeu, no seu celular, um vídeo gravado pelo cardiologista Petrônio Araújo, que faz uma campanha pessoal e incisiva contra a imunização, alegando que a vacina poderia provocar infarto ou derrame, sem apresentar dados científicos, contrariando todas as recomendações dos cientistas do mundo.

No vídeo, compartilhado em grupos de municípios do interior e áreas indígenas, o médico faz questão de afirmar abertamente que “tem coragem” de defender sua ideia abertamente, inclusive enfatiza que não tomará a vacina e que não deixará que seus filhos sejam vacinados, ao defender categoricamente a “imunidade de rebanho”.

Não custa lembrar que a “imunidade de rebanho” vinha sendo defendida pelo governo Bolsonaro logo no início da pandemia, cujo experimento maior foi a população de Manaus (AM), que sofreu uma grave crise de coronavírus, com muitas mortes e hospitais colapsados. Houve um intenso movimento para que a população manauara também servisse de cobaia no tratamento precoce com cloroquina e outros medicamentos, cuja eficácia nunca chegou a ser comprovada cientificamente.

Naquela mesma época, Petrônio também gravou um vídeo defendendo o tratamento precoce, enquanto em nível nacional o uso desses medicamentos passou inclusive a ser alvo de investigação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, no Senado, cuja acusação contra o presidente era de genocídio.

Como se pode notar, o comportamento do médico roraimense atenta contra a saúde coletiva, reforçando ainda mais as insistentes fake news disseminadas contra a vacina, contribuindo para que as pessoas deixem de se imunizar, o que é muito grave, pois a vacina é a única forma indicada pela ciência para frear o avanço do maldito vírus no mundo e, desta forma, devolver a normalidade à vida das pessoas.

O negacionismo é um grave risco ao Brasil, outrora enaltecido mundialmente como exemplo por suas campanhas de imunização, cuja imagem do Zé Gotinha enchia a população de orgulho. E tudo isso vem sendo destruído não apenas por pessoas irresponsáveis, incultas, mal-intencionadas ou paranóicas, mas também por profissionais que usam opinião pessoal para combater argumentos técnicos-científicos reconhecidos pela comunidade científica mundial.

Nenhum argumento de “liberdade individual” pode estar acima da saúde coletiva em um momento de excepcionalidade por causa de uma pandemia. A propósito, o próprio Governo Federal publicou a Lei n.º 13.979, em 6 de fevereiro de 2020, que não apenas prevê regras para enfrentamento do coronavírus, como determina que as pessoas deverão sujeitar-se ao cumprimento das medidas, cujo descumprimento acarretará responsabilização civil, penal e administrativa.

Além disso, os Crimes Contra a Saúde Pública são previstos nos artigos 267, 268 e 269 do Código Penal, cujo destaque está no art. 268: “Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa: Pena – detenção, de um mês a um ano, e multa. Parágrafo único – A pena é aumentada de um terço se o agente é funcionário da saúde pública ou exerce a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro”.

Então, o que as autoridades estão esperando para agir, a fim de impedir o que está ocorrendo no nosso país, enquanto muitos correm o risco de morrer porque estão acreditando na criminosa campanha antivacina?

*Colunista