JESSÉ SOUZA

Ações fiscalizatórias seguem encontrando trabalhadores em situação degradante

Imagem captada durante ação fiscalizatória realizada no passado em três municípios (Foto: Divulgação)

Os dados mais recentes sobre resgate de trabalhadores em situação análoga à escravidão, em Roraima, são de julho de 2024, quando foi realizada uma fiscalização coordenada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). A ação resultou no resgate de 10 trabalhadores nas zonas rurais dos municípios de Amajari, Iracema e Mucajaí, regiões estas onde políticos e grandes empresários mantém propriedades que tradicionalmente exploram a mão de obra de gente humilde.

Essa fiscalização contou com a participação do Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho, Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal, além de um professor e tradutor vinculado à Universidade Federal de Roraima (UFRR). Depois de um ano, uma nova ação fiscalizatória voltou a ser realizada. As primeiras informações apontam que pouco ou quase nada mudou de lá para cá, enquanto parlamentares seguem apresentando projetos no Congresso Nacional que arrocham o trabalhador brasileiro.

Na semana passada, a ação passou novamente pelo Amajari, município que é comandado por tradicionais famílias de políticos, com ou sem mandato, além de empresários com grande poder aquisitivo. Outra vez, as autoridades encontraram peões e vaqueiros de fazendas, caseiros, roçadores e outros trabalhadores braçais sem carteira assinada. Alguns deles são idosos e recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que é um auxílio financeiro que garante um salário mínimo a idosos com 65 anos ou mais.

Em 2024, as inspeções constaram condições degradantes dos trabalhadores, quando os empregadores foram notificados e obrigados à paralisação imediata das atividades, com rescisão dos contratos de trabalho e pagamento dos valores rescisórios devidos. Todos os resgatados foram retirados das fazendas. Neste ano ainda não foram divulgadas informações oficiais, mas sabe-se que houve novas notificações de trabalhadores que não possuíam carteira assinada ou qualquer tipo de vínculo formal.

Na ação do ano passado, dentre os notificados haviam dois idosos, um de nacionalidade colombiana e três venezuelanos, sendo um deles menor de idade. Na ocasião, o empregador rural de Mucajaí, produtor de gado leiteiro e de queijo, foi conduzido até a Polícia Federal, em Boa Vista, após ficar verificado que as atividades eram desenvolvidas há anos sem recolhimento de quaisquer encargos trabalhistas, além das precárias condições de trabalho.

A situação análoga à escravidão foi confirmada diante das condições degradantes às quais os trabalhadores estavam submetidos, abrigados nas fazendas em alojamentos insalubres, cheios de barro e estrume, além da falta de acesso a água potável para consumo ou instalações sanitárias adequadas.  Aos trabalhadores foram emitidas Guias de Seguro-Desemprego para que recebessem três parcelas de um salário-mínimo.  As irregularidades trabalhistas resultaram em 115 autos de infração.

As estatísticas apontam que, de 2009 a 2021, um total de 98 pessoas foram resgatadas em condições análogas à escravidão no Estado, com destaque para atividades na construção civil e agropecuária. Em 2019, o total chegou a 16 trabalhadores resgatados, sendo 3 venezuelanos, com 94 contratos de trabalho formalizados durante fiscalizações.

Em 2021, foram 7 pessoas resgatadas, incluindo cinco indígenas Macuxi e migrantes venezuelanos, em fiscalizações nos municípios de Cantá, Iracema e Caracaraí. Em 2022, totalizaram 15 trabalhadores resgatados, todos na construção civil, incluindo 12 em uma pedreira em São João da Baliza e 3 na construção de uma ponte em Alto Alegre. Um dos resgatados era um migrante venezuelano menor de idade.

Diante dessas constatações, é possível ter uma noção da distância entre discurso e prática dos políticos, os quais muitos deles em Roraima são empresários no setor agropecuário ou donos de grandes empresas que contratam mão de obra (alguns ocultos por meio de laranjas) ou têm como aliados de seus mandatos grandes empresários ou os super ricos.

O trabalho análogo à escravidão não só perpetua a exclusão social, afetando populações vulneráveis, a exemplo de indígenas, idosos e venezuelanos, como também esconde a prática de uma política que na maioria das vezes enche grandes empresas de isenções e favores, enquanto os trabalhadores são precarizados, com seus direitos reduzidos em seguidos governos. É por isso que os ricos querem deixar tudo como está ou cortar ainda mais os benefícios dos assalariados.

*Colunista

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