JESSÉ SOUZA

A maconha e a imbecilização da opinião pública como um projeto de poder

Desde 2015 que o ST discute regras para definir o que é porte de drogas para consumo próprio ou tráfico (Imagem: Divulgação)

A retomada do julgamento iniciado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2015, que discute as regras para o porte de drogas para consumo próprio, tem provocado críticas histéricas de políticos e discursos apocalípticos de religiosos, colocando no mesmo nível a hipocrisia de falsos moralistas e de toda ordem da extrema direita.

Todo esse alarido, que traz em seu âmago mentiras, distorções e desinformações, revela que a imbecilização da opinião pública não é por acaso. Tornar as pessoas incapazes de racionar é um projeto de poder, em que a imbecilização é um instrumento poderoso que está em curso com a deturpação de opiniões, crenças e sentimentos.

O que está em discussão no STF não se trata de “liberar a maconha”, como muitos tentam incutir na mente das pessoas mais incautas, pois o consumo de drogas ilícitas continuará sendo ilegal. O que será definido é apenas quem pode ser considerado usuário ou traficante a partir da quantidade de droga que a pessoa estiver portando.

Os ministros discutem a possibilidade de porte entre 25 a 60 gramas e a plantação de até seis plantas fêmeas de maconha para que seja considerado usuário. Quem estiver acima desses parâmetros continua sendo considerado traficante. Ou seja, não está questão a descriminalização das drogas, e sim a definição de uma quantidade para que seja considerado usuário ou traficante.

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A legislação atual, a Lei de Drogas (nº 11.343, de 2006), proíbe em todo o território nacional o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, com exceção para aquelas plantas de uso exclusivamente ritualístico religioso e no caso de fins medicinais e científicos.

No entanto, o artigo 28 da lei diz que o usuário não é punido com prisão pelo porte e produção de entorpecentes para consumo próprio, sofrendo apenas advertências sobre os efeitos e deve prestar serviços à comunidade ou cumprir medidas educativas de comparecimento a programas ou cursos educativos.

O problema é que não há critérios objetivos que diferenciem porte para consumo próprio ou para tráfico de drogas, crime este punido com prisão. Quem define o que é consumo próprio ou tráfico é a polícia na hora da abordagem e detenção; ou o Ministério Público e o Judiciário no desenrolar do processo penal.

É aí onde ocorre a interpretação da lei de acordo com a conveniência do policial no momento da abordagem de um suspeito, por isso a necessidade de o STF intervir para exatamente definir qual é a quantidade de droga para que uma pessoa seja considera portadora para consumo ou tráfico de droga.   

Em todo o país, pessoas presas com a mesma quantidade de droga têm recebido tratamento diferenciado, sendo consideradas usuárias ou traficantes ao sabor da interpretação. Quanto se trata de classe social, a situação fica pior, pois os abordados pela polícia na periferia das cidades geralmente recebem tratamento diferente daquelas abordadas em bairros nobres.

Como não há um critério definido dentro da lei sobre a quantidade de droga, um pobre sem advogado facilmente é acusado de tráfico (portanto, indo parar na prisão), enquanto o rico por sua influência é considerado tão somente um usuário, muitas vezes nem precisando de um advogado.

Como há um projeto de poder que aposta na imbecilização do cidadão, em que religião se mistura com política, todo o contexto é deturpado para favorecer políticos mal-intencionados ou extremistas que exploram pautas baseadas em muito barulho, mentiras, pouco conteúdo e que confunde os cidadãos desinformados ou de baixa escolaridade.

Em tempo, a droga é um dos grandes males da humanidade e o tráfico continua sendo crime no país. Só que, dependendo da quantidade, um usuário não pode ter o mesmo tratamento de um criminoso que trafica. Aliás, no Brasil da hipocrisia e da mentira, um traficante geralmente não costuma parar detrás das grades – e isso, sim, é o que deveria provocar histeria nos políticos.

*Colunista

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