Fala de autoridade alemã sobre o Brasil precisa ser vista sob a ótica da importância da Amazõnia (Foto: Divulgação)

Há um significado bem explícito sobre as declarações ofensivas do chanceler alemão Friedrich Merz lançadas sobre o Brasil, quando tratou como piada o episódio em que ele comentou sobre jornalistas de sua comitiva que teriam ficado “contentes” por deixar o país depois da COP30, em Belém (PA).

Não se trata de uma fala deslocada e sem sentido de quem não gostou do lugar. Nem por se sentirem inseguros ou decepcionados com a estrutura ali encontrada. Trata-se do mesmo olhar eurocêntrico de quando as primeiras caravelas chegaram para colonizar não só o Brasil, mas toda a América Latina. Era a mesma forma de enxergar todas as colônias europeias.

Desde a chegada dos portugueses, o Brasil foi visto como lugar para ter suas riquezas exploradas como também usado como depositário dos indesejáveis, especialmente lugar de exílio e castigo para grandes e pequenos criminosos, incluindo os heréticos, pecadores da carne, ciganos, prostitutas, funcionários corruptos e, um pouco mais tarde, para escravos africanos.

Belém está no epicentro histórico dessa realidade, pois em 1616, um século depois do achamento do Brasil, foi fundado o Forte do Presépio, a partir do qual os portugueses marcaram sua ocupação na Amazônia.  Esse Forte deu origem à cidade de Belém, Capital do Pará, ponto que serviu de base tanto para que os portugueses espalhassem feitorias e missões ao longo do Rio Amazonas, como também para a expulsão dos estrangeiros que entravam pela Venezuela e Guiana.

Obviamente que o Estado de Roraima sequer existia, pois fazia parte da grande Província do Grão-Pará, que englobava também os atuais estados do Pará, Amazonas, Rondônia, Maranhão e Amapá. Roraima era apenas a região mais distante e inóspita só acessada por estrangeiros e brasileiros a serviço dos colonizadores para capturar indígenas ao longo do Vale do Rio Branco.

Então, essa é a visão não só do chanceler alemão, mas de boa parte dos europeus, que têm no Brasil como “um lugar dos indesejáveis” que precisa ser constantemente colonizado para que seja explorado a fim de gerar mais riqueza aos países europeus, conforme mostra a História da ocupação das nossas vizinhas Guianas: a Inglesa, a Holandesa e a Francesa.

Logo, o episódio não deve ser tratado apenas como um “incidente diplomático”, “preconceito” ou “visão eurocêntrica”. Significa a verbalização daqueles que querem tratar a América do Sul como a fronteira a ser reocupada por uma nova hierarquia global. O alerta já foi dado: querem impor a ideia de que a Amazônia não pode ser mais só do Brasil.

*Colunista

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