Produtores do setor pecuarista alertam para um grave risco de desabastecimento de carne e crescimento do abate clandestino em Roraima. O motivo, segundo Bruno Bríglia, gerente do Frigorífico Frican, é a burocracia excessiva imposta pela Agência de Defesa Agropecuária de Roraima (Aderr), que estaria inviabilizando o funcionamento regular dos matadouros locais.
De acordo com dados apresentados em reunião recente com lideranças da cadeia produtiva, a demanda mensal de abate bovino apenas em Boa Vista gira em torno de 10 mil animais. No entanto, os frigoríficos autorizados pela fiscalização têm capacidade legal para abater apenas 8 mil cabeças por mês, o que gera um déficit de 2 mil animais. Esse desequilíbrio estaria impulsionando o abate clandestino, que já representa cerca de 30% do total, segundo estimativas do setor.
“Essa burocracia excessiva da ADERR está sufocando os pequenos matadouros, enquanto a carne clandestina ganha espaço no mercado e ameaça a saúde da nossa população”, afirmou Briglia.
CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
Atualmente, apenas quatro unidades de abate estão em funcionamento no estado. Dessas, apenas uma — o Frigo 10 — possui Selo de Inspeção Federal (SIF), o que permite a comercialização interestadual e exportações. Os demais, como o Frican (em Cantá) e o Monte Cristo (em Boa Vista), operam com registro estadual emitido pela própria ADERR, mas enfrentam severas restrições.
Segundo os empresários, a agência reduziu pela metade a capacidade de abate desses matadouros — de 200 para 100 e 120 animais por dia, respectivamente —, mesmo com estrutura física e técnica para operar em escala maior. Além disso, as unidades relatam terem recebido sucessivas notificações com dezenas de exigências. O Frican, por exemplo, acumulou 20 condicionantes em uma visita técnica, depois outras 14, seguidas de mais 88 e, por fim, 4 novas exigências, tudo isso no intervalo de menos de um ano.
A avaliação do setor é de que a ADERR tem adotado critérios similares aos do SIF federal, sem considerar a realidade e as limitações locais, o que inviabiliza economicamente a operação dos pequenos e médios matadouros.
A situação, segundo os produtores, já começa a refletir nos açougues e comércios da capital e do interior, com riscos crescentes à saúde pública por conta da carne abatida fora dos padrões sanitários.
Aderr diz que segue rigorosamente a legislação federal
Em entrevista à FolhaBV, a diretora de Defesa Animal da Aderr, Thaysa Schelck, disse que atuação da instituição na fiscalização de abatedouros segue rigorosamente a legislação federal.
“Seguimos especialmente o Decreto nº 9.013/2017, que é a base legal da inspeção de produtos de origem animal. Essa norma estabelece critérios obrigatórios de higiene, bem-estar animal, estrutura adequada e segurança alimentar que devem ser cumpridos por todos os estabelecimentos de abate”, disse.
“Ao longo dos anos, a Aderr realizou diversas ações educativas e corretivas, como notificações, concessão de prazos, reuniões e tentativas de construir soluções com os abatedores. No entanto, mesmo com essas oportunidades, muitos abatedouros não cumpriram as exigências mínimas para manter o funcionamento regular”, pontuou.
Diante disso, a diretora explica que necessária a aplicação de punições. “Uma das medidas foi a redução da capacidade de abate. O Abatedouro Monte Cristo, por exemplo, teve a capacidade reduzida para 120 animais por dia, enquanto o Frican foi limitado a 100 animais por dia. Essas medidas têm como objetivo forçar os estabelecimentos a se adequar à legislação”, acrescentou.
Ainda segundo Thaysa, apesar dos esforços, houve resistência por parte dos abatedores. “Em alguns casos, ocorreram desacatos graves contra fiscais da Aderr, o que obrigou a transferência de servidores de suas funções originais. Ainda assim, as fiscalizações sempre seguiram normas federais e estaduais”, destacou.
A diretora destacou ainda que muitos desses abatedouros já deveriam ter sido fechados pelas condições precárias em que operam. “A Aderr optou por não tomar medidas tão drásticas por entender que isso poderia prejudicar a população, além de aumentar o risco de abates clandestinos. No entanto, o Ministério da Agricultura acompanha todas as ações e pode, em algum momento, cobrar medidas mais rigorosas”, alertou.
A diretora destacou alguns critérios que não estão sendo cumpridos:
- Correlação carcaça-vísceras-cabeça: É necessário que cada carcaça esteja identificada com suas vísceras e cabeça. Isso permite o recolhimento e descarte correto do animal caso seja detectado algum problema sanitário. Os abatedouros alegam que isso exigiria mudanças na estrutura e paralisação das atividades, por isso ainda não foi feito.
- Isolamento das áreas de manipulação: A parte interna onde os alimentos são manipulados deve ser totalmente isolada da área externa para evitar contaminações. Essa exigência é básica em qualquer estabelecimento de alimentos, mas também não é cumprida pelos abatedouros, que justificam com falta de recursos.
“A Aderr já notificou essas irregularidades, com relatórios detalhados, fotos e orientações, mas não houve ações efetivas por parte dos abatedores. Algumas mudanças pontuais foram feitas, mas sem resolver o problema principal”, acrescentou.
Ainda segundo, Thaysa, o objetivo da Aderr não é dificultar a vida dos produtores, mas garantir saúde pública, bem-estar animal, segurança sanitária e a qualidade dos produtos consumidos pela população.