Cotidiano

IBGE atrasa censo de povo yanomami por falta de transporte aéreo

Instituto disse estar buscando alternativas legais para recensear os indígenas e que está comprometido a concluir e honrar a missão do recenseamento. Situação rendeu críticas de instituições

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O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) não tem como finalizar, dentro do prazo, o Censo Demográfico 2022 na Terra Indígena Yanomami em Roraima e no Amazonas devido à falta de aeronave para enviar as equipes. É a mesma situação do povo Wajãpi, do Amapá. As áreas são consideradas de difícil acesso.

Em 1º de novembro, a Hutukara Associação Yanomami (HAY) questionou o instituto sobre as razões pelas quais poucas comunidades teriam sido recenseadas e reclamou que o trabalho era realizado “vagarosamente”.

“A conclusão do trabalho é fundamental para que se conheça como vivem hoje os Yanomami, qual o grau de escolaridade de sua população, suas condições de saúde, nível de renda, ao lado de informações socioterritoriais”, disse o vice-presidente da HAY, Dário Kopenawa, em ofício enviado a órgãos federais, como o IBGE.

O instituto respondeu à HAY em 28 de novembro, por meio de nota técnica, informando que precisava contratar cerca de 350 horas-voo, o equivalente a 30% da demanda inicial, para concluir o censo nas localidades. Além disso, o órgão explicou ter tentado parcerias interinstitucionais, mas a Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) desistiu “intempestivamente” e que a Funai (Fundação Nacional do Índio) garantiu as outras 692 horas-voo (70%).

Além disso, o IBGE explicou que o planejamento para recensear os indígenas, iniciado em 2018, foi prejudicado pela pandemia da Covid-19, afetando a organização do processo licitatório “devido à indisponibilidade dos servidores da FUNAI e da SESAI no apoio ao dimensionamento dos modais de acesso, às reorganizações territoriais das aldeias ocorridas em muitas Terras Indígenas, às mudanças nas regras de acesso a esses territórios e também à indefinição quanto à disponibilidade orçamentária, tendo a data definitiva da coleta sido definida apenas em janeiro de 2022”.

Prejuízo aos indígenas que afeta estados e municípios

A nota técnica elenca impactos da falta de censo nas comunidades, como a diminuição de transferências de verbas a três estados e oito municípios, o desequilíbrio na viabilização de ações governamentais e o prejuízo à autonomia, além de violação dos direitos fundamentais dos indígenas e a invisibilidade estatística das comunidades por mais uma década, “implicando em grandes obstáculos para a promoção dos direitos que compõem a espinha dorsal do Estado Social brasileiro e frustrando os objetivos constitucionais de desenvolvimento socioeconômico e de redução das desigualdades sociais”.

Críticas

O assunto rendeu críticas por parte da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), que manifestou “indignação” com o cenário de que metade da população yanomami poderia ficar de fora do censo.

Para a entidade, a falta do levantamento “significa deixar de dimensionar os efeitos da COVID-19 na população Yanomami e Ye’kwana, de avaliar as ações de proteção e de atenção à saúde e à vida prestadas pelo governo à população indígena e, principalmente, de ignorar os efeitos da ocupação garimpeira da Terra Indígena”. A ABA citou a estimativa de que o garimpo ilegal movimenta atualmente mais de 40 mil garimpeiros.

“Os dados gerados pelo Censo 2022 são essenciais para que a sociedade brasileira tenha consciência da situação real das comunidades indígenas; tenha condições de formular uma estratégia de retirada do garimpo ilegal da TIY e de elaboração de um Plano Emergencial para a atenção da saúde da população Yanomami e Ye’kwana”, finalizou, em nota.

Recomendação da DPU

A DPU (Defensoria Pública da União) recomendou ao IBGE que realize “com a máxima urgência” a contratação do serviço de táxi aéreo adequado para o transporte da equipe capacitada para possibilitar o recenseamento de todas as comunidades indígenas Yanomami e Wajãpi não acessíveis por transporte fluvial ou terrestre. O órgão deu cinco dias úteis para o IBGE informar as providências adotadas para o cumprimento do pedido.

Para a DPU, “o mero retardo no recenseamento das comunidades dos Povos Yanomami e Wajãpi ou, pior anda, sua não realização por entraves burocráticos, indiscutivelmente causará situação de prejuízo irreparável e comprometerá a segurança dos indígenas, pois a dispensa que ora se busca, tem por objetivo assegurar que não haja, ao fim e ao cabo, vulneração do direito à vida, à saúde, à integridade física dos indígenas, todos estes bem jurídicos e valores agasalhados em sede constitucional”. Caso não cumpra, o IBGE poderá ser processado judicialmente.

O que diz o IBGE

Procurado pela FolhaBV, o IBGE não comentou diretamente a recomendação da DPU e informou ter acolhido o parecer da AGU (Advocacia-Geral da União), o qual concluiu que “a situação não se enquadra em hipótese de urgência”, ao citar que o órgão havia analisado a proposta de contratação direta em regime de urgência.

“Entendendo se tratar de questões jurídicas relacionadas e avaliadas em conformidade com as responsabilidades inerentes à administração pública e exigidas dos agentes públicos, o Conselho Diretor do IBGE acolheu o parecer da AGU”, disse.

O IBGE disse estar buscando alternativas legais para recensear os indígenas, que está comprometido a concluir e honrar a missão do recenseamento. “Deixar de recensear parte dos povos indígenas nunca foi considerado pelo IBGE”, completou.

Nota completa do IBGE

“Com todo respeito que merece o assunto, trata-se de uma recomendação da Defensoria Pública.

Sob consulta do IBGE, a AGU analisou os autos da proposta de contratação direta em regime de urgência. A contratação direta fora das hipóteses legais constitui crime tipificado no art. 337-E do Código Penal. Por isso a AGU emitiu parecer no sentido de que a situação não se enquadra em hipótese de urgência.

Entendendo se tratar de questões jurídicas relacionadas e avaliadas em conformidade com as responsabilidades inerentes à administração pública e exigidas dos agentes públicos, o Conselho Diretor do IBGE acolheu o parecer da AGU.

E, desde então, o CD, junto às áreas responsáveis pela demanda em questão, está buscando alternativas legais para recensear a população indígena. O IBGE segue comprometido a concluir e honrar a missão do Censo. Deixar de recensear parte dos povos indígenas nunca foi considerado pelo IBGE.

Com esse intuito, espírito e determinação, do universo de 632 Terras Indígenas (TIs) no Brasil, a coleta do Censo Demográfico 2022 já chegou a 605 dessas áreas (95,73%). Em 382 TIs (60,44%), a coleta do Censo foi totalmente finalizada. Em 223 TIs (35,28%), a coleta está em andamento, com dados parcialmente apurados. As TIs não iniciadas são 27 (4,27%). O número de domicílios coletados é de 138.832 (72,1% em relação ao total estimado). A operação tem média de 1.108 domicílios coletados por dia em TIs. Esses dados são referentes aos trabalhos realizados até o último dia 01 de dezembro.”

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