Por Marcelo do Rego
Há dias que marcam a vida. Para mim, esse dia foi 24 de dezembro de 2018. Enquanto o mundo vibrava com o brilho do Natal, eu encarava o espelho interno que evitara por anos. A pergunta que rondava minha mente era direta, quase crua: que pai gostaria ser para meus gêmeos, Joaquim e Samuel, estando mergulhado na responsabilização do externo, em ressentimentos e nos fantasmas dos traumas do passado?
Sabia que não podia continuar sendo o mesmo homem que colecionava promessas vazias, aquelas que começam com “segunda-feira eu mudo” e terminam no mesmo abismo de sempre. Precisava fazer algo, qualquer coisa. E a verdade é que, quando tudo parece demais, o simples se torna o único caminho possível.
Foi então que as perguntas, as ferramentas silenciosas da consciência, começaram a cutucar meus medos. Pensei comigo, o que eu posso fazer, com o que eu tenho aqui, agora? A resposta não veio em forma de um plano grandioso. Olhando para a mesa de jantar, tomei uma decisão que parecia simples, mas na realidade, lá na frente, mudaria tudo: eu deixaria de tomar o refrigerante que mais gostava por 30 dias.
Parece pouco? Para alguns, talvez. Para mim, era como mover uma montanha. Não pelo refrigerante em si, mas pelo que ele representava: costume automático, afeto infantil, fuga rápida, anestesia. Nos dias seguintes, comecei a perceber que me sentia menos inchado e mais disposto. Surpreendentemente, mexendo em um hábito, outros começaram a se rearrumar.
Foi aí que entendi o padrão. E padrões, quando reconhecidos, deixam de ser prisão e viram mapa. Comecei pequeno, mudando um hábito. Depois, abandonei o açúcar como um todo, passei a tomar banhos gelados pra despertar o corpo, a ler mais pela manhã, a meditar, a escrever em um diário… Um fio puxa o outro, até que percebi que estava tecendo uma vida nova.
Enquanto eu mudava, o mundo ao redor reagia, com algumas pessoas apoiando, outras debochando, outras tentando me puxar de volta para o “normal” que sempre me fez mal. A verdade é que crescer incomoda quem está parado. Também descobri algo profundo: somos feitos dos ambientes que escolhemos. Ande com quem busca saúde, e logo você estará cuidando do seu bem-estar. Caminhe com quem se destrói, e a queda vira rotina.
E assim, passo a passo, hábito a hábito, comecei a reencontrar o pai que meus filhos merecem, o homem que eu queria ser, a vida que eu ainda podia construir. Hoje, olho para trás e vejo que não foi a ausência de um refrigerante que mudou meu destino. Foi a coragem de começar pequeno. Foi a lucidez de assumir que só poderia mudar com o que eu tenho, aqui, agora. Foi a escolha de abandonar a versão cinza de mim mesmo para dar chance a algo mais vivo, mais inteiro, mais presente.
No fim, percebi que toda grande transformação, aquela que resgata, que fortalece, que devolve o brilho, nasce de um gesto quase imperceptível. E talvez outras pessoas estejam agora exatamente no ponto onde eu estive naquele Natal. Para elas, ou para você que me lê agora, faço a pergunta que mudou a minha vida: qual decisão simples você pode tomar agora e que lá na frente pode mudar tudo?
—
Marcelo do Rego é pai de gêmeos, maratonista, empreendedor e palestrante, autor de “Do Tarja Preta à São Silvestre”