

Os contantes acidentes graves com mortes na RR-205, rodovia estadual que liga Boa Vista ao Município de Alto Alegre, é só mais um reflexo da ausência completa das forças estaduais de Segurança Pública naquela região. Nesse fim de semana, mais um capotamento ocorreu naquela estrada. Como esse cenário se normalizou por lá, sequer houve repercussão do caso. A única presença efetiva que ocorre por lá são as ações federais contra o garimpo ilegal.
Problemas da violência, que inclui os constantes acidentes, têm causas mais profundas. Conforme dados da 3ª Edição da Cartografias da Violência na Amazônia, divulgada durante a realização da COP 30 em Belém (PA), na semana passada, o Município de Alto Alegre registrou 92,4 mortes violentas por 100 mil habitantes, o que faz aquela cidade ocupar a 11ª posição entre as cidades mais violentas da Amazônia Legal. Houve um aumento de 139,7% entre 2022 e 2023.
A RR-205 entre nesse contexto, pois é a principal via de acesso àquele município onde estão localizados os rios Mucajaí e Uraricoera, que por sua vez dão acesso às comunidades indígenas Yanomami, como a comunidade Palimiu, e da etnia Ye’kwana, na Terra Indígena Yanomami, onde há maior parte do registro do garimpo ilegal dominada por facções criminosas. Por isso, Alto Alegre registra outro ranking negativo: o das maiores mortalidades de indígenas da região amazônica.
Com relação ao crime organizado, o relatório aponta que aquele município tem registrado a expansão da atuação do grupo criminoso Comando Vermelho (CV), que atualmente tem o monopólio daquele setor. Apesar da presença do CV, a região no entorno de Alto Alegre é quase toda controlada pelo PCC, com ambas as facções disputando o território, embora não costumem entrar em confronto direto, conforme registra o relatório das Cartografias da Violência na Amazônia
A localização do município tornou-se estratégica em relação ao garimpo ilegal. Somente em 2024, operações da Casa de Governo desativaram seis pistas de pouso clandestinas utilizadas pelas atividades garimpeiras, das 11 que haviam sido detectadas pelas autoridades. A proximidade do município com as numerosas regiões de garimpo nas terras indígenas adjacentes a torna um ponto importante de convergência desses grupos, o que impacta na dinâmica de violência da região.
O documento destacou que, em 2023, Alto Alegre registrou 29 conflitos por terra, segundo relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT). “Vale destacar que um dos conflitos registrados é de 30 de abril, mesmo dia em que o sistema da Polícia Civil registrou 12 homicídios e mortes por intervenção policial, a maioria na zona rural. Embora não seja possível afirmar que as 12 mortes estão relacionadas ao conflito documentado pela CPT, chama atenção a coincidência de data e o elevado volume de assassinatos em apenas um dia”, diz o relatório.
Alto Alegre não se resume aos dados do cenário de violência letal. O relatório destaca que, além de crimes ambientais e violência contra indígenas, o município foi uma das quatro cidades de Roraima que foram alvos de operações da Polícia Federal contra compra de votos durante as eleições municipais de 2024, inclusive com a cassação de prefeitos e prisão por corrupção eleitoral, a ponto da necessidade de realizar uma eleição suplementar faltando poucos meses para as eleições.
Como Alto Alegre se interliga ao Município de Mucajaí pela RR-325 (chamada de Vicinal Tronco Apiaú), a violência também passou a ser uma realidade enfrentada na cidade vizinha. Logo, Mucajaí ocupa a posição de 2º município mais violento de Roraima e 12º município mais violento da Amazônia Legal, com taxa média de mortes violentas intencionais entre 2021 e 2023 de 70,4. A maior variação do período analisado foi registrado entre 2021 e 2022 com aumento de 34,3%.
Segundo o mapeamento, atualmente Mucajaí está inserido em um contexto de domínio territorial da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). Por fazer divisa com Alto Alegre, também ocupa uma localização estratégica em relação ao garimpo, tanto pela proximidade de Alto Alegre e a possibilidade de extensão das dinâmicas criminais de um município para o outro, quanto por ser uma cidade em que ocorrem operações e apreensões de equipamentos e minérios do garimpo ilegal, como aviões de pequeno porte em pistas clandestinas e a cassiterita.
A realidade de Alto Alegre e Mucajaí é apenas um dos cenários analisados pela Cartografias, pois Roraima é destacado como um Estado que possui a presença de facções em quase a totalidade dos seus 15 municípios, com exceção de Uiramutã, um município isolado dentro da Terra Indígena Raposa Serra do Sol cujos acessos são controlados por comunidades indígenas.

Conforme já comentado no artigo anterior, o PCC é a facção hegemônica em Roraima, controlando 6 municípios, enquanto disputa território em 7 municípios com o CV e com o Tren de Aragua, uma facção venezuelana presente em Boa Vista e no Município de Pacaraima, na fronteira com a Venezuela. A atuação dessa facção venezuelana foi abordada no programa Fantástico, neste domingo, mas nada do que os roraimenses já não saibam.
Aqui está o cenário da criminalidade no Estado de Roraima, onde as facções disputam hegemonia e agem com audácia, enquanto na política local o que se vê é uma disputa eleitoral antecipada em que a cassação de parlamentares e do governador é a maior preocupação dos políticos. Além disso, mais uma operação da Polícia Federal está nas ruas para investigar a ação de grupos criminosos atuando no garimpo ilegal, que é outro reflexo desse grande contexto.
*Colunista