A discussão sobre liberdade de expressão nunca foi tão urgente quanto agora. Vivemos em uma época em que qualquer pessoa com acesso à internet acredita possuir, automaticamente, autoridade moral, técnica e emocional para opinar sobre absolutamente tudo. E, pior, acredita que essa opinião, mesmo quando carregada de ignorância, falta de conhecimento, ressentimento ou pura vontade de destruir, deva ser tratada como verdade incontestável, fato lamentável e cada vez mais rotineiro. O problema não é a liberdade; é a irresponsabilidade disfarçada de liberdade. É uma distorção perigosa, alimentada por indivíduos que se proclamam especialistas de mundo sem nunca terem experimentado, de fato, nenhum cenário real que justifique tal título. São observadores de superfície, analistas de tela, teóricos de sofá que ganham notoriedade na mesma proporção que espalham a desinformação.
Rousseau escreveu: “O homem nasceu livre e por todos os lados se acha acorrentado.” A frase, tão repetida quanto incompreendida, fala sobre as correntes sociais, políticas e morais que moldam a experiência humana. Mas, ironicamente, na modernidade, a corrente mais pesada não é a opressão estatal, é a desinformação fabricada. É a prisão construída não por governos, mas por influenciadores inconsequentes, perfis anônimos e pseudos-profissionais que encontraram na polêmica uma forma de ganhar atenção, engajamento e até dinheiro. Se antes as correntes vinham de cima para baixo, hoje nascem das massas e se espalham como fogo.
George Orwell acrescenta outra camada: “Se liberdade significa alguma coisa, significa o direito de dizer às pessoas o que elas não querem ouvir.” De fato, a liberdade inclui o incômodo, o confronto, a coragem de expressar ideias impopulares. Mas onde está escrito que liberdade significa mentir? Onde está dito que liberdade autoriza distorcer fatos, manipular emoções, inventar histórias ou condenar inocentes? O que muitos chamam de “liberdade de expressão” virou um escudo para a irresponsabilidade. Como se a liberdade fosse um habeas corpus permanente para quem planta destruição em nome da opinião.
A verdade é que frases como as de Rousseau e Orwell são impactantes, porém, incompletas quando arrancadas de seu contexto. Elas falam de liberdade, mas não falam do peso da responsabilidade. Não tratam da ética, da integridade e da honestidade intelectual que devem acompanhar qualquer discurso público. Falam da libertação do homem, mas não mencionam o aprisionamento mental que ocorre quando uma mentira bem contada se espalha mais rápido do que qualquer esclarecimento.
E vivemos justamente nessa era: a era do excesso de liberdade sem responsabilidade. A era dos “cavaleiros do apocalipse” que transformam tragédias em conteúdo, dor alheia em entretenimento e fatos em mercadorias moldáveis ao gosto do público. O mundo se tornou um grande palco onde cada um encena sua própria versão da verdade, ainda que seja completamente desconectada da realidade.
O impacto disso? Profundo. Pessoas sem discernimento suficiente absorvem narrativas tóxicas como doutrina. Jovens, adultos e até idosos tratam especulações como se fossem provas. Mentiras repetidas ganham status de verdade. E, no meio desse caos, vidas são destruídas. Reputações são assassinadas sem julgamento, pessoas são canceladas sem direito à defesa, famílias são expostas e inocentes se tornam culpados, mas não pela lei, e sim pela multidão.
E como chegamos até aqui? Simples: confundimos liberdade com ausência de limite. Esquecemos que a verdadeira liberdade exige maturidade. Esquecemos que, embora qualquer pessoa possa falar o que quiser, não pode e nem deve estar imune às consequências do que diz. Liberdade não é fazer o que dá na telha; é saber que cada palavra carrega peso social, emocional e moral. E ignorar isso é agir como uma criança que brinca com fósforos ao lado de um barril de pólvora.
É preciso lembrar que, assim como existe o direito de falar, existe o direito de não ser difamado. Assim como existe o direito de opinar, existe o dever de não destruir. Assim como existe o direito de expressar sentimentos, existe a obrigação de reconhecer que sentimentos não são fatos. E que transmitir emoções como se fossem verdades objetivas pode causar danos irreparáveis.
“Nada do que conheço paga o preço de viver sem liberdade” — outra frase forte, mas que precisa ser complementada. Afinal, nada paga o preço de viver em um mundo onde a irresponsabilidade domina o discurso público. De que vale a liberdade se ela se torna arma para ferir? Se ela vira justificativa para espalhar ódio? Se ela serve para condenar sem prova? A liberdade sem responsabilidade é antítese de si mesma. É como um rio sem margens: ao invés de nutrir a vida, destrói tudo ao redor.
E aqui entra o ponto central: a liberdade não é a ausência de compromissos com a verdade. Liberdade verdadeira é a capacidade de escolher e de se comprometer com aquilo que é melhor para mim e para a sociedade. A liberdade não pode ser usada como salvo-conduto para a mentira. Ela deve ser instrumento de construção e não de destruição.
A grande polêmica está justamente aí: alguns defendem a liberdade irrestrita como se ela fosse inquestionável, mas se esquecem da outra metade da equação: responsabilidade. Quando alguém, em nome da liberdade, espalha fake news, critica de forma leviana, manipula fatos ou distorce realidades, não está exercendo liberdade, está abusando dela. E abuso nunca foi direito.
Por isso é essencial reforçar que cada palavra lançada ao espaço público tem impacto. O leitor desavisado pode ser facilmente influenciado. Quem ainda não tem senso crítico formado é vulnerável. E é justamente nesse grupo que as narrativas falsas fazem mais estrago. São essas pessoas que, muitas vezes, ajudam a transformar boatos em verdades absolutas e injustiças em linchamentos virtuais.
A pergunta que fica é: será que a liberdade é um passe livre para quem escolhe viver da desinformação? Será que a sociedade deve aceitar que pseudos-profissionais, que nunca vivenciaram aquilo que pregam, continuem ganhando notoriedade às custas da destruição alheia? A resposta precisa ser clara: não.
A liberdade de expressão é um direito fundamental, mas ela só existe plenamente quando acompanhada de responsabilidade, ética e compromisso com a verdade. Sem isso, vira barbárie. Vira caos. Vira exatamente o que estamos vendo: um mundo onde mentira vale mais que fato, acusação vale mais que prova e sensação vale mais que razão.
Se queremos preservar a liberdade, precisamos também defender o compromisso com a verdade. Porque liberdade sem responsabilidade não é liberdade é abuso travestido de direito.
Por: Weber Negreiros
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