Por Marcelo Figueiredo

O Supremo Tribunal Federal acaba de tornar réu Eduardo Bolsonaro. A denúncia foi recebida pela Primeira Turma do Tribunal. O deputado é acusado de obstruir o andamento da ação da trama golpista contra o seu pai.  O Relator do caso, Min. Alexandre de Moraes defendeu a abertura de uma ação penal contra o deputado e foi acompanhado pelos Ministros Flávio Dino e Cristiano Zanin.

Segundo o Relator, houve ameaças do deputado a autoridades brasileiras, notadamente aos Ministros do Supremo Tribunal Federal. O Relator considerou que a “grave ameaça” se materializou pela articulação e obtenção de sanções do governo dos Estados Unidos, com aumento de tarifas de exportação, suspensão de vistos de autoridades brasileiras e a aplicação dos efeitos da Lei Magnitsky. Para o Relator o deputado agiu em nome de interesses particulares e buscou criar um ambiente de intimidação sobre as autoridades responsáveis pelo julgamento do ex-presidente. É certo que o mérito das acusações só será analisado ao final do processo, mas desde já os Ministros consideraram a campanha do deputado uma tentativa de intimidação e já sinalizaram que os ataques contra a soberania nacional não serão tolerados.

Por sua vez, o defensor público do deputado Antônio Ezequiel Inácio Barbosa afirmou em seu pedido que a denúncia confunde manifestação política com coação processual e ainda que o crime de coação tem como requisito a “violência ou grave ameaça”, e que a denúncia não descreve atos violentos de Eduardo Bolsonaro.

Finalmente com a abertura da ação penal, o STF pode pedir a extradição do deputado antes de analisar o mérito.

Dois aspectos chamam a atenção nesse caso. O primeiro: deputados e senadores gozam das chamadas imunidades parlamentares, prerrogativas inerentes à função parlamentar, garantidoras do exercício do mandato com plena liberdade. São basicamente: a) imunidade material, real ou substantiva, também chamada de inviolabilidade), implicando a exclusão da prática de crime, por suas opiniões, palavras e votos e a b) imunidade processual, formal, ou adjetiva, trazendo regras sobre a prisão e processo criminal desses representantes do povo. Poder-se-ia inicialmente cogitar que o deputado por estar fora do território nacional quando os fatos ocorreram não poderia se socorrer da imunidade material. Há entretanto precedentes do STF em outro sentido: “a inviolabilidade alcança toda manifestação do congressista onde se possa identificar um laço de implicação recíproca entre o ato praticado, ainda que fora do estrito exercício do mandato, e a qualidade de mandatário político do agente” (RE 210.917, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 12/08/1998). A defesa do deputado sustenta que o deputado simplesmente fez uma campanha política contra o julgamento de seu pai e que não há em tal atividade nenhum crime. Creio que não haja precedente do STF de atividade política praticada por deputado federal no exterior, salvo em missão oficial da Câmara, não sendo esse o caso em tela.

O Relator considerou que a “grave ameaça” se materializou pela articulação e obtenção de sanções do governo dos Estados Unidos, com aumento de tarifas de exportação, suspensão de vistos de autoridades brasileiras e a aplicação dos efeitos da Lei Magnitsky.

Fica, no entanto, difícil acreditar que um único deputado brasileiro tenha condições objetivas de realizar tais articulações junto ao Governo Donald Trump, tendo sido ele o veículo de tais medidas contra o governo brasileiro. Primeiro porque institucionalmente o deputado não tinha mandato ou competência para obter junto ao governo americano esse tipo de medida- embargo econômico ou tarifaço contra o Brasil. Em segundo lugar, trata-se de decisão soberana dos EUA tomada no bojo da política agressiva de Donald Trump a vários países, não só o Brasil. É dizer não há como atribuir ao réu esse tipo de conduta do ponto de vista da tipicidade penal ou nexo de causalidade.

Há por fim outro ponto de discussão relativo aos limites da liberdade de expressão de qualquer pessoa e sobretudo de um parlamentar. A liberdade de expressão é amplamente reconhecida como um dos pilares essenciais para o funcionamento saudável de uma sociedade democrática. É a liberdade de expressão e opinião que permite que indivíduos comuniquem suas ideias, opiniões, posições políticas e crenças sem medo de censura ou repressão, estimulando a diversidade de pensamento.

Não se defende, naturalmente, a existência de liberdade sem responsabilidade. Nenhum direito é absoluto. Apesar da importância da liberdade de expressão, reconhece-se que este direito pode colidir com outros direitos fundamentais, como a dignidade humana ou a preservação da ordem pública.

No caso em exame, entretanto não vemos como o deputado com sua campanha a favor do que ele imaginou ser uma atuação crítica contra os processos desencadeados pelo STF e seus efeitos, tenha violado a ordem pública ou a integridade física ou moral de seus ministros.

Talvez valha aqui a advertência do juiz Louis Brandeis no caso Whitney v. California (1927), onde a Suprema Corte americana afirmou que a liberdade de expressão é essencial para a democracia mesmo quando protegendo ideias consideradas perigosas. Brandeis argumentou que “a melhor resposta ao discurso prejudicial é mais discurso, não censura”.

Por fim, parece difícil aceitar que houve “violência ou grave ameaça” nos discursos políticos proferidos pelo deputado, ainda que não estejamos de acordo com sua visão de mundo ou dos fatos. De que maneira sua ação no exterior obstruiu ou tentou obstruir os processos no STF e no Brasil? A resposta parece negativa diante inclusive da condenação definitiva de seu pai que ao que tudo indica poderá ser preso nos próximos dias.

Por Marcelo Figueiredo, Advogado. Consultor Jurídico. Professor Associado de Direito Constitucional da PUC-SP. Presidente da ABCD. Associação Brasileira de Constitucionalistas Democratas, seção brasileira do Instituto Ibero-Americano de Direito Constitucional com sede no Mexico.