Walber Aguiar*

Lá em casa tem um poço, mas a água é muito limpa.

                                                                Renato Russo

Manhã. Sol de novembro. Sol indefinido entre o cinza e o azul, entre o branco e o anil. Mãe chamando, menino correndo, galinha ciscando. Lembranças espalhadas no quintal. O velho poço matava mais que a sede naqueles dias; matava também a nostalgia do não vivido, o desejo de entender o tempo e a solidão.

A manga com sal era o prato predileto, comido exaustivamente à sombra do velho cajueiro. De repente, as valas abertas, bolinhas de gude, alagações. “Faculdade”, Seu Pinheiro, Chinelão. Gente brincando no meio da rua, bandeirinhas estendidas, grito de gol na garganta, no inconsciente coletivo da rua de barro.

Ali, à sombra da jaqueira, conversávamos com os anjos, montávamos os planos, executávamos a vida. Caboco Clério com seu violão, Raimundo Arigó com sua roupa branca, Mário, com seu vigor juvenil e sua paixão pelo Vasco da Gama. A mangação corria solta, junto com a vibração, o vinho e os gols da seleção brasileira.

O tempo passou, todo mundo foi embora, levando na bagagem a lembrança. Agora o asfalto ditava a pressa, o sinal verde, a responsabilidade, a vida completamente agendada. Pelos “campos de morango” da lembrança, ainda vejo a figura de meu pai. Envelheceu sem crescer, cresceu sem perder a inocência. Virou uma relíquia no meio de um mundo convulso, corrupto e cheio de maldade.

Seu Genésio se tornou uma espécie de anjo da guarda de todos nós, muito embora carecesse de carinho, cuidado, afeto, companhia. Ainda cumprimenta as pessoas na rua, conversa na esquina, lembra da velha rua de piçarra e das travessuras da infância.

Relembro a casa com varanda, o velho poço, a cerca do Lauriston. Sei que falta a meninada, a manga com sal , o grito de gol, a galinha ciscando. Apesar da ausência, sua alegria de menino nunca vai acabar. Enquanto houver uma tarde quente, um colega, um trombone e um bom papo, ele estará sempre lá, à espera do sonho, da saudade, da alegria.

Era novembro. Não havia a escuridão do dia dos finados. Apenas o céu azul do sonho, a doce canção da nostalgia…

*Advogado, poeta, historiador, professor de filosofia, membro da Academia Roraimense de Letras, Mestre em Letras e membro da Academia de Letras, Arte e Cultura da Amazônia.

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