
O chamado “efeito binóculo” faz com que as pessoas só enxerguem o que está ocorrendo longe de onde elas estão, impedindo que analisem e sintam a realidade onde elas vivem. Desta forma, muitos são impactados pelas tragédias que ocorrem em outros estados, enquanto ignoram as mazelas locais. Em Roraima, por exemplo, neste ano já morreram muito mais pessoas por causas violentas do que morreram na fatídica operação no Rio de Janeiro.
Embora ainda não exista um boletim oficial consolidado com o total exato de óbitos de janeiro a novembro de 2025, pois os dados completos do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM/Datasus) só serão fechados e divulgados em 2026, a estimativa com base em informações da imprensa e boletins parciais dos órgãos públicos, Roraima já registrou, este ano, até 6 de novembro, uma média de 3.600 mortes.
Desse total, as mortes violentas causadas por disputa entre facções e confronto com a polícia já somam cerca de 85. Em acidentes de trânsito foram 125 mortes aproximadamente. Só aqui são 210 mortes em 11 meses. Os dados revelam os dois principais desafios no Estado: a criminalidade provocada pelo crime organizado e a violência no trânsito que tem como causa principal a flagrante imprudência e irresponsabilidade dos condutores de veículos, especialmente motocicletas.
Com relação às mortes por disputa entre facções, a mais recente foi registrada na quinta-feira, no bairro 13 de Setembro, que é uma região conflagrada pela guerra na disputa por tráfico de droga e acerto de conta entre facções venezuelanas. Pela maneira de agir, os bandidos mostram que não temem as autoridades brasileiras e executam suas vítimas à luz do dia e no meio do trânsito de ruas movimentadas.
Neste caso mais recente, a dupla em uma moto não hesitou em executar o venezuelano que segurava as mãos de suas duas filhas pequenas enquanto caminhavam em via pública. Foram 15 tiros de pistola 9mm, mostrando a forma audaciosa, violenta e determinada para executar suas vítimas impiedosamente. E isso não comove mais ninguém nem suscita qualquer tipo de resposta ou satisfação por parte das autoridades de Segurança Pública, muito menos pelos políticos.
Estimativa realista baseada nas investigações da polícia indicam pelo menos 55 das 80 mortes violentas de 2025 foram ordenadas ou executadas por facções, entre elas a sanguinária Tren de Aragua, da Venezuela, e as brasileiríssimas Primeiro Comando da Capital (PCC) e Comando Vermelho (CV). A facção Tren de Aragua é responsabilizada por mais de 50 homicídios ou tentativas só contra migrantes venezuelanos de janeiro a outubro de 2025.
Um dos casos emblemáticos deste ano foi o cemitério clandestino com 10 corpos, vítimas do Tren de Aragua, esquartejamentos e execuções filmadas em bairros como 13 de Setembro e São Vicente. Por sua vez, o PCC e o CV atuam em garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami e tráfico na fronteira, as quais matam por dívida de droga ou disputa de ponto de venda de drogas.
Em relação aos acidentes de trânsito, até 6 de novembro, o total de mortes é resultado de cruzamento de dados oficiais do Departamento Estadual de Trânsito (Detran), Instituto de Medicina Legal (IML) e reportagens consolidadas na imprensa local. De janeiro a junho, foram 25 mortes só entre motociclistas. Até outubro, a imprensa divulgou 113 óbitos totais, sendo 40 em vias urbanas de Boa Vista, 38 em rodovias federais, 19 em estaduais e 16 no interior.
A projeção até o fim do ano é que o número fique entre 130 a 140 mortes, mantendo Roraima entre os estados com maior taxa de mortalidade no trânsito por habitante (acima de 20 óbitos/100 mil hab.). As principais vítimas são as seguintes: 80% são motociclistas, já que Roraima tem a maior proporção de motos no Brasil e lidera acidentes com esse veículo; homens jovens (18-35 anos) representam 85% das vítimas fatais.
Boa Vista concentra 35-40% dos óbitos. As rodovias federais BR-174 e BR-401 são as mais letais. Mortes de motociclistas podem ser explicadas a partir da explosão da frota de motos circulando no Estado: mais de 124 mil só no 1º semestre de 2025. E isso soma-se à imprudência (excesso de velocidade, álcool e empinar moto) que é a causa em 70% dos casos, somando-se à falta de fiscalização efetiva. Roraima continua tendo uma das capitais (Boa Vista) com maior taxa de mortes no trânsito do Brasil – 26,7 óbitos/100 mil hab. em dados até 2022, tendência mantida em 2025.
Mas ainda tem a situação da RR-205, rodovia estadual que liga Boa Vista a Alto Alegre, com 89 km de extensão, que registrou exatamente 10 mortes em acidentes de trânsito este ano, conforme dados do Detran divulgados no Dia de Finados pela FolhaBV. Essa rodovia é mais letal de Roraima em 2025. São 19 mortes em todas as estaduais juntas. As rodovias federais somam 38.
As mortes também têm o poder público como culpado, pois a situação crítica da RR-205 contribui para os acidentes, como alagamentos recorrentes no inverno, devido à falta de drenagem, além da falta de defensas metálicas e sinalização. No trecho urbano as obras que vêm sendo realizadas desde 2022, sem iluminação nem rotatórias, também provocaram mortes, o que só contribuiu para que a RR-205 fosse batizada de “Rodovia da Morte” desde 2016.
Aí estão as guerras que Roraima vem enfrentando enquanto muitos só tem olhos para o que ocorre nos morros e favelas cariocas. E o que é pior: as autoridades fingem que nada disso está ocorrendo, enquanto os políticos só estão pensando nas próximas eleições.
*Colunista