
Mesmo nos territórios mais remotos da Amazônia boliviana, o estilo de vida tradicional pode estar fornecendo pistas sobre como envelhecer com saúde e lucidez. O povo Tsimané, que vive de forma simples e em harmonia com a natureza, mantém uma rotina de subsistência que envolve cultivo, pesca e longas caminhadas pelas florestas.
Estudos recentes apontam que essa maneira de viver está associada a taxas extremamente baixas de demência e à menor prevalência de doenças cardiovasculares já registradas em qualquer população do mundo. A constatação desperta uma reflexão: o que a população de Roraima pode aprender com essa sabedoria ancestral e com o modo de vida dos mais velhos para cuidar melhor do corpo e da mente?
Pesquisas publicadas nos últimos anos ajudam a compreender esse fenômeno. Um estudo de 2022 avaliou a prevalência de demência e comprometimento cognitivo em adultos com 60 anos ou mais entre os povos Tsimané e Moseten. Dos 435 Tsimané analisados, apenas cinco apresentaram sinais de demência, uma prevalência de cerca de 1,2%, considerada uma das mais baixas do mundo.
Entre os Mosetén, esse índice foi ainda menor, de aproximadamente 0,6%, de acordo com publicações do Journal of Alzheimer’s Disease Reports e do PubMed. Em paralelo, outra pesquisa com 746 participantes de 40 a 94 anos utilizou tomografias computadorizadas para avaliar o volume cerebral, que tende a diminuir com o envelhecimento.
Surpreendentemente, os Tsimané apresentaram menos perda de massa cerebral com a idade do que populações dos Estados Unidos e da Europa, mesmo convivendo com altas taxas de inflamação provocadas por infecções comuns da região.
Quando o foco é o coração, os resultados também impressionam. Estudos conduzidos por pesquisadores da Universidade da Califórnia e publicados na Lancet mostraram que os Tsimané têm a menor prevalência de calcificação nas artérias coronárias já registrada.
Em uma amostra com mais de 700 pessoas, 85% apresentaram escore zero, o que indica artérias completamente livres de obstruções. O segredo parece estar na combinação de fatores: um corpo em movimento constante, uma dieta rica em alimentos naturais e um estilo de vida comunitário que valoriza o convívio e o papel dos mais velhos.
A rotina diária dos Tsimané é marcada por atividade física espontânea. Caminhar longas distâncias, cultivar alimentos e pescar fazem parte do cotidiano, sem a necessidade de academias ou equipamentos modernos. A alimentação é composta basicamente por produtos frescos, com pouco ou nenhum alimento ultraprocessado. São comuns o consumo de raízes, frutas, vegetais, arroz e peixes magros.
Além disso, fatores como obesidade, hipertensão e diabetes tipo 2 são raros, refletindo o impacto positivo de uma vida menos industrializada e mais conectada à terra. Em comunidades como essa, o envelhecimento não é sinônimo de isolamento. Os mais velhos têm papel ativo na vida comunitária, são fonte de conhecimento e ocupam um lugar de respeito. O aprendizado é transmitido pela convivência, pela oralidade e pelo exemplo.
Em Roraima, onde tradições indígenas e o ritmo urbano coexistem, essa sabedoria oferece lições valiosas. Pequenas mudanças no estilo de vida podem aproximar a saúde local da vitalidade observada entre os Tsimané. Praticar mais atividades físicas cotidianas, como caminhar, cuidar de jardins ou fazer pequenas tarefas manuais, já contribui para o bem-estar físico.
Valorizar alimentos regionais e menos processados, como peixes de água doce, frutas e hortaliças locais, também é um passo importante. Criar momentos de convivência entre gerações, aprender com os mais velhos e manter o contato com a natureza são atitudes que fortalecem tanto o corpo quanto o espírito.
Os estudos sobre o povo Tsimané mostram que a saúde do coração e do cérebro estão profundamente ligadas e que preservar a vitalidade pode ser menos sobre tecnologia e mais sobre equilíbrio. Em tempos em que o envelhecimento populacional cresce em todo o mundo, olhar para o conhecimento ancestral, inclusive o que existe nas próprias comunidades amazônicas, pode ser um caminho para redescobrir como viver mais e melhor, com o coração forte e a mente ativa.