Operação no Vila Jardim e o desenho de um pequeno pedaço do grande quebra-cabeça
Operação da PF no Vila Jardim sobre esquema de tráfico de armas de fogo por facções criminosas (Foto: PF)

A Operação Underground, desencadeada pela Polícia Federal no Conjunto Residencial Vila Jardim, nesta quinta-feira, 30 de outubro, não se trata de um caso isolado que diz respeito ao tráfico de armas de fogo por facções criminosas. A questão é que os fatos são narrados sem contextualização, como se fossem coisas estanques, na maioria das vezes porque não há mais espaço e tempo para aprofundamentos ou até mesmo propositalmente, porque envolve gente da mais alta distinção da sociedade e da política.

Essa operação começou lá atrás, após um flagrante da Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (Ficco) em 2020, quando três pessoas foram presas por comercializar armas ilegalmente. Foram cinco anos para chegar a esses demais suspeitos, porém, nesse meio tempo, outras ações seguiram e as investigações foram apontando mais suspeitos de integrar uma organização responsável pela venda e distribuição de armamentos em Roraima, dentro e fora da estrutura das facções criminosas.

O ano de 2020 foi um marco em Roraima para o fortalecimento do garimpo ilegal e de vários tipos de crimes que vieram a reboque. As seguidas operações mostraram isso. Foi assim que, em dezembro de 2020, a Polícia Federal (PF) desencadeou a Operação Alésia, a fim de apurar irregularidades envolvendo servidores públicos da Secretaria de Justiça e Cidadania de Roraima (Sejuc) em casos de tráfico de drogas, corrupção e peculato, entre outros delitos.

Como desdobramento, em 23 de outubro de 2024 foi realizada uma operação conjunta da PF e do Ministério Público de Roraima (MPRR) que deu início às investigações sobre tráfico de armas e munições no Estado, cujos alvos eram figuras de destaque, como o deputado estadual Rarison Barbosa e o coronel Miramilton Goiano de Souza, que à época comandante-geral da Polícia Militar de Roraima. Além deles, outros policiais também estavam sob investigação.

Em outra investigação da PF, sobre uma organização criminosa responsável por vender armas e munições ilegalmente para garimpos e facções criminosas, cujo alvo era uma facção dentro da Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, apareceu o nome do coronel Miramilton e do filho dele, o agente penitenciário Renie Pugsley de Souza. Os dois fizeram três visitas consideradas irregulares ao detento Jonathan Novaes de Almeida, preso na Operação K’daai Maqsin, em 2019, que investigou uma organização criminosa responsável por vender armas e munições ilegalmente para garimpos e facções criminosas. O preso Jonathan trabalhou numa empresa de vigilância que era administrada pelo coronel Miramilton.

Foi também ano de 2020, mais precisamente no dia 26 de outubro daquele ano, que ocorreu o rumoroso caso do sequestro do jornalista Romano dos Anjos, que foi torturado e largado em uma área na região do Bom Intento, na zona rural de Boa Vista, enquanto sua esposa foi mantida em cárcere privado na residência do casal. Conforme as investigações do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), ficou evidenciada uma milícia privada, constituída para prática de crimes diversos.

A investigação da Polícia Civil sobre o sequestro chegou a uma suposta milícia armada e instalada no âmago da Assembleia Legislativa de Roraima (ALERR) a mando do então deputado estadual Jalser Renier, que também revelou ligações estreitas com o garimpo ilegal, inclusive com trocas de mensagens. Conforme o inquérito, o grupo era comandado e formado por policiais militares de elite, incluindo três coronéis e um major, todos lotados no Serviço de Inteligência e Segurança Orgânica da Assembleia (SISO), setor criado pelo parlamentar que era o presidente da Casa por seguidos mandatos.

Entre 2015 e 2020, o grupo teria praticado uma série de crimes, incluindo espionagem de adversários, sequestro, fornecimento de armas para garimpos ilegais na Terra Yanomami e segurança armada para empresas e políticos. A polícia também identificou ligação do grupo investigado nos negócios da financeira By Money, que movimentou de forma ilícita mais de R$ 90 milhões no ano passado e que “faliu” logo após as primeiras prisões dos envolvidos.

Aqui está um pequeno pedaço do grande quebra-cabeça que foi montado a partir das operações policiais desde o auge do garimpo ilegal e do fortalecimento das facções criminosas em Roraima. É preciso detalhar mais?

*Colunista

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