OPINIÃO

Split payment: quando o fisco chega antes da empresa ao caixa

A reforma tributária em curso no Brasil caminha para transformar não apenas a estrutura dos impostos, mas também quando e como eles são pagos. Com o “super sistema” que a Receita Federal prepara, ganha força o modelo de split payment mecanismo pelo qual o tributo é deduzido ou retido automaticamente no momento da transação. A proposta pode ser eficiente contra fraudes e sonegação, mas ameaça algo essencial para as empresas: o capital de giro.

O split payment significa que, quando uma venda ou serviço é realizado, a parte correspondente ao imposto não passa pela empresa vai direto ao governo. Hoje, muitas empresas dependem do intervalo entre faturar, receber e só depois recolher impostos. Esse intervalo funciona informalmente como financiamento de curto prazo.

Em estudos da Europa, esse modelo já existe de forma parcial. Na Itália, por exemplo, o regime de split payment aplicado a transações B2G (business to government) modificou a dinâmica de fluxo de caixa para empresas fornecedoras do setor público, pois o imposto incidente sobre estas operações deixa de “circular” pelo caixa do fornecedor, reduzindo esse prazo de retenção. Além disso, relatório da Comissão Europeia estimou que o modelo de split payment pode ajudar a reduzir a evasão do IVA (VAT) e melhorar receita perdida em diversos países.

No Brasil, as PMEs já demonstram preocupação: segundo matéria recente, empresas enquadradas no Simples que atuam em operações B2B (com outras empresas) são estimadas em 2,5 milhões de negócios diretamente afetados pelo novo regime tributário. Dados do Sebrae e Serasa Experian mostram que essas pequenas e médias empresas respondem por mais de 90% dos negócios formais, por cerca de 30% do PIB, e por mais de 60% dos empregos formais. Isso mostra que o impacto do split payment no caixa dessas empresas não é marginal e pode significar diferença entre sucesso e dificuldade financeira.

Setores com estoques significativos ou prazos de recebimento longos, entre varejo, alimentos, insumos agrícolas, serviços com contratos serão os mais sensíveis. Para eles, perder o intervalo de alguns dias ou semanas entre faturamento e pagamento de imposto pode pressionar rapidamente o fluxo de caixa.

Por outro lado, a adoção do split payment pode gerar benefícios para o Estado (mais previsão e menos sonegação), bem como tornar o ambiente competitivo mais equilibrado para empresas que já operam com conformidade. Mas os ganhos fiscais não compensam, para muitas pequenas empresas, o risco de apertar demais o caixa.

Por isso, mecanismos de transição serão essenciais: prazos diferenciados para PMEs, crédito tributário antecipado, regimes de adaptação progressiva. Sem isso, a reforma corre o risco de gerar impactos indesejados, como queda de investimento, inadimplência e até fechamento de pequenas firmas.

O split payment promete tornar a arrecadação mais justa e eficiente, mas não pode ignorar a realidade das empresas, especialmente das de pequeno porte, que dependem dos prazos atuais para manter operações. Tributo é direito do Estado, mas fluxo de caixa também é direito da empresa, sem ele, não há emprego, produção ou futuro tributável. A reforma tributária precisa ser audaciosa, sim, mas também cuidadosa: garantir que o novo modelo arrecade, sim, mas sem sufocar quem empreende.

Rubens Savaris Leal
Professor da Universidade Federal de Roraima (UFRR), com formação em Administração, Contabilidade e Economia.

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