O Ministério Público de Contas (MPC-RR) denunciou nesta terça-feira (16) ao Tribunal de Contas (TCE-RR) a ex-presidente do Iteraima (Instituto de Terras e Colonização de Roraima), Dilma Costa, o fazendeiro Ermilo Paludo e mais quatro pessoas por suposta participação em esquema de grilagem que teria gerado causado um prejuízo de R$ 25,5 milhões na Gleba Ereu, no Município de Amajari, região Norte do Estado. O montante incide sobre valor avaliado da área de 17 mil hectares objeto da possível fraude.
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À Folha BV, Paludo afirmou que vai se manifestar nessa quarta-feira (17) sobre o assunto. Dilma disse que se manifestará assim que tiver conhecimento sobre todas as denúncias.
“Por enquanto, o que sei que se tratam de processos anteriores à minha gestão enquanto presidente”, destacou.
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AO TCE-RR, o MPC-RR pediu:
- Suspensão imediata de processos e atos administrativos relacionados à Gleba Ereu;
- Afastamento de gestores e servidores envolvidos;
- Indisponibilidade de R$ 25,5 milhões em bens e ativos dos investigados;
- Instauração de tomada de contas especial;
- Declaração de nulidade dos títulos já expedidos;
- Aplicação de multas e imputação de débitos; e
- Declaração de inidoneidade dos representados.
A denúncia é apresentada um dia após a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Terras, da Assembleia Legislativa de Roraima (ALE-RR), pedir o indiciamento de Dilma, Paludo e outras 14 pessoas. O caso agora aguarda decisão do TCE-RR, que poderá determinar medidas cautelares e aprofundar a apuração.
O MPC também solicitou o encaminhamento das provas aos órgãos fiscalizadores, incluindo a Polícia Federal (PF) e o Ministério Público Federal (MPF) com o intuito de responsabilizar criminalmente os envolvidos.
“Ermilo Paludo tem uma área que, quando tirou o título, estava em mata virgem. Houve fraude de quem foi fazer a vistoria, de quem deu os pareceres e de quem deu o título”, afirmou o titular da 1ª Procuradoria de Contas, Paulo Sérgio Oliveira de Sousa.
Sousa afirmou ainda que outros 250 mil hectares em terras estão atualmente sob investigação no órgão.
“O que tá acontecendo hoje no Estado de Roraima é uma farra de ocupação de terras”, disse. “[Esse processo] foi o primeiro que nós concluímos nesta situação. Existem outros, existem dezenas que estão na mesma situação e vamos fazer pessoa por pessoa”.
A investigação
Paulo Sérgio Oliveira de Sousa analisou processos administrativos, denúncias e relatórios da CPI das Terras da Assembleia Legislativa (ALE-RR). Assim, identificou práticas fraudulentas em mais de 17 mil hectares de terras, causando prejuízos estimados em R$ 25,5 milhões aos cofres públicos e comprometendo a política agrária do Estado.
Conforme o MP de Contas, o esquema funcionava por meio da atuação de dois núcleos interligados. O primeiro, familiar e particular, era liderado por Ermilo Paludo e envolvia parentes e associados, entre eles Miguel Schultz, sua filha Viviane Paludo Schultz e Luiz Sebastião de Andrade Lima. O segundo núcleo, composto por ex-agentes e servidores do Iteraima, tinha a função de validar, acelerar e legitimar processos administrativos de regularização fundiária em desconformidade com a lei.
Produtor rural arquitetou e liderou núcleo familiar para grilar terras
No centro do esquema de grilagem revelado pelo MPC está o produtor rural Ermilo Paludo, apontado como o “arquiteto” da fraude e beneficiário direto do complexo de terras na Gleba Ereu. Conforme a representação, foi ele quem concebeu a estratégia de fracionamento irregular de grandes áreas públicas em glebas menores, registradas em nome de familiares e associados, com o objetivo de contornar o limite de 2,5 mil hectares por pessoa estabelecido na legislação.
Paludo já havia sido beneficiado com um título definitivo referente à Fazenda Várzea Bonita, com mais de 2.493 hectares, localizada em Mucajaí, praticamente no teto legal para regularização fundiária. Mesmo assim, deu entrada em novo processo de regularização da Fazenda Santa Maria, em Amajarí, somando outros 2.390 hectares. Para o MPC/RR, a conduta viola a lei que proíbe a concessão de mais de uma área a desintrusados, indivíduos retirados de terras indígenas e que possuem direito a compensação fundiária limitada.
A atuação de Paludo, entretanto, não se restringiu a seus próprios processos. Ele teria coordenado a entrada simultânea de pedidos em nome de familiares, como Miguel Schultz (Fazenda Formosa do Norte, 2.283 hectares), Viviane Paludo Schultz (Fazenda Pedra do Sol, 1.992 hectares) e ainda de associados, como Luiz Sebastião de Andrade Lima (Fazenda São Sebastião, 2.398 hectares). A conformação territorial desses imóveis, segundo os levantamentos, mostra divisas interligadas e continuidade espacial, indicando que não se tratava de ocupações autônomas, mas de uma estratégia conjunta para reunir um bloco de aproximadamente 17 mil hectares.
O núcleo Paludo também se beneficiou da repetição do status de desintrusado em mais de um processo. Essa condição deveria ser aplicada uma única vez por beneficiário, mas foi estendida a Ermilo e a associados próximos, permitindo a dispensa de pagamento pelo valor da terra nua e acelerando os processos de titulação. Documentos de posse e declarações foram reaproveitados em diferentes requerimentos, sempre conduzidos pelo mesmo procurador, o advogado Jairo Mesquita de Lima, o que reforça a ideia de centralização da fraude.
Além da tentativa de obter novos títulos, a investigação aponta que o núcleo buscou validar processos já contestados por irregularidades. Em alguns casos, relatórios de vistoria constataram ausência de moradia, de lavouras ou de criação de animais, evidenciando que as terras não cumpriam a função social exigida por lei.
“O órgão concluiu que Ermilo Paludo se consolidou como líder de um núcleo familiar voltado à apropriação sistemática de terras públicas, com ramificações que se estendem a outros municípios e glebas de Roraima. A representação ressalta que o mesmo modus operandi se repete em outras áreas sob investigação, como Baliza, Iracema, Mucajaí e Bonfim, o que reforça a gravidade do caso e a necessidade de responsabilização dos envolvidos”, destacou o procurador.
Como funcionava a organização criminosa
A apuração do MPC-RR caracteriza o esquema como uma organização criminosa estruturada, com divisão clara de funções, continuidade ao longo do tempo e finalidade econômica ilícita. O órgão descreve a existência de dois núcleos interdependentes.
O primeiro era o núcleo familiar, encabeçado por Ermilo Paludo, que reunia parentes como Miguel Schultz, Viviane Paludo Schultz e associados como Luiz Sebastião de Andrade Lima. Coube a esse grupo apresentar os pedidos, fornecer documentos de posse, muitas vezes falsos ou reaproveitados, e dar aparência de legalidade às ocupações.
O segundo era o núcleo institucional, composto por ex-dirigentes e servidores do Iteraima, com destaque para a ex-presidente Dilma Lindalva Pereira da Costa. Esse núcleo tinha papel fundamental: validar os processos, emitir autorizações de ocupação, acelerar tramitações e deixar de exigir documentos ou vistorias obrigatórias. O envolvimento de servidores de carreira garantia que os processos corressem dentro do órgão sem levantar suspeitas formais.
Entre os dois núcleos havia ainda um elo técnico-jurídico, representado pelo advogado Jairo Mesquita de Lima, que centralizava a produção documental, atuava como procurador de diferentes beneficiários e dava suporte para que os processos se apresentassem formalmente regulares, mesmo quando recheados de inconsistências.
A organização funcionava como uma engrenagem bem ajustada: o núcleo familiar apresentava os pedidos, o núcleo jurídico preparava a documentação e o núcleo institucional dentro do Iteraima validava e acelerava os processos. Essa divisão de tarefas, aliada ao objetivo comum de concentrar terras públicas e transformá-las em patrimônio privado, levou o órgão a enquadrar o grupo como uma organização criminosa.
O cerne dessa associação criminosa não era apenas a apropriação de terras, mas também a produção de um sistema paralelo de legalidade, em que documentos falsos, autodeclarações e procedimentos internos do Iteraima eram manipulados para dar aparência de legitimidade à grilagem.
Fraude em licitações alimentou conflitos agrários
A representação aponta que o chamado “Complexo Ereu Paludo” não apenas resultou na dilapidação de patrimônio público avaliado em mais de R$ 25 milhões, mas também gerou insegurança jurídica, alimentou conflitos agrários e comprometeu a função social da terra, princípios fundamentais do direito agrário e da gestão pública.
Para o MP de Contas, o conjunto de condutas caracteriza uma organização criminosa, com divisão de tarefas, estabilidade e finalidade de obter vantagens ilícitas por meio da apropriação irregular de terras públicas.
A representação demonstra que a fraude em licitação esteve no coração do esquema de grilagem identificado na Gleba Ereu. A legislação fundiária de Roraima estabelece que áreas superiores a 2.500 hectares só podem ser alienadas por meio de licitação pública, processo que garante concorrência e transparência. Para escapar dessa regra, o núcleo liderado por Ermilo Paludo teria adotado uma prática recorrente: o fracionamento artificial das terras.
Áreas contíguas de grande extensão eram divididas em lotes menores, formalmente registrados em nomes de familiares ou associados, mas que, na prática, permaneciam sob o controle de um mesmo grupo. A fragmentação permitia que cada processo fosse conduzido como se fosse uma ocupação isolada, quando, na realidade, fazia parte de um bloco contínuo de aproximadamente 17 mil hectares.
O MPC sustenta que o expediente, além de burlar o limite legal, teve como efeito direto a dispensa indevida de licitação, o que privou o Estado da possibilidade de alienar terras por meio de concorrência e garantiu que os imóveis fossem direcionados a um grupo restrito. “Trata-se, portanto, de uma fraude de origem: sem o fracionamento, a regularização dependeria de um processo licitatório transparente, com critérios públicos e participação de outros interessados”, ressalta Paulo Sousa.
O documento menciona indícios de crimes contra a administração pública, como prevaricação, advocacia administrativa, corrupção passiva e condescendência criminosa, além de falsidade ideológica, uso de documentos falsos, fraude em licitações, associação criminosa, organização criminosa, crimes tributários e lavagem de dinheiro. A atuação conjunta de particulares e servidores teria transformado a estrutura estatal em instrumento para fins ilícitos, afrontando princípios constitucionais da legalidade, moralidade e impessoalidade.