Roraima apresentou a maior taxa de estupros de vulneráveis do Brasil em 2024, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. O estado registrou 191,8 casos por 100 mil meninas, mais que o triplo da média nacional, que é de 65,4. Acre e Amapá aparecem em segundo e terceiro lugares, com 172,6 e 168,7 casos, respectivamente.
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Segundo a juíza Graciete Sotto Mayor, que atuou no Juizado da Infância e Juventude de Boa Vista entre 2000 e 2010, o aumento dos registros pode ter múltiplas explicações. “Temos duas teses com relação a isso. Uma é que a nossa porta de entrada está funcionando. As pessoas têm facilidade de chegar a uma delegacia, ao conselho tutelar ou à escola e fazer denúncias. Outra vertente é que a violência não é cultural. Muitos casos envolvem crianças de 4, 5 ou 8 anos, antes da menstruação, portanto, não têm relação com tradições indígenas ou regionais”, explicou.
A magistrada ressalta que a percepção de crianças como propriedade, em vez de cidadãos, também contribui para a situação. “Um pai ou uma avó pensa: ‘ela é minha, posso fazer o que quiser’. É um discurso que ainda existe e precisamos enfrentar.”
Graciete reforça a necessidade de ações preventivas, lembrando que o Tribunal de Justiça de Roraima está desenvolvendo programas educativos em cidades como Bonfim e Normandia. “Estamos começando a trabalhar com prevenção, porque a repressão é o segundo passo. Precisamos atuar para que o crime não aconteça”.
Ela ainda destacou que 90% dos abusadores são conhecidos das vítimas e que, muitas vezes, o abuso ocorre dentro do próprio ambiente familiar. “Quando a vítima é muito pequena, não sabe que aquilo que o adulto está fazendo é crime. Denúncias só acontecem quando a criança percebe que está sendo abusada, geralmente por volta dos 9 ou 10 anos”, disse.
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A juíza alerta ainda para a complexidade da violência sexual infantil e para a importância de tratar o tema desde cedo. “Não estamos falando de sexo nas escolas, estamos falando de proteção. É preciso mudar a forma de pensar e ensinar crianças sobre toques inapropriados e respeito ao próprio corpo”, concluiu.