Walber Aguiar*

  A permissão pra nascer, a concessão pra sorrir

                                                       Chico Buarque

Fazia frio dentro de casa. Dentro de mim uma enorme tempestade. Uma janela, um horizonte além do muro, o outro lado. Tudo estava quieto, muito quieto, sem nada que nos inquietasse, que nos tirasse do entrevamento existencial, que nos tirasse do entrevamento existencial, da frente da deusa dos raios azulados.

De repente a limitação bateu forte. Geografia da parede, da cerca, do muro, do reduzido ser que se instalara na alma. Desligada a TV o livro saltou sobre os olhos. As retinas, assim tão fatigadas, não conseguiram pousar por muito tempo sobre o amontoado de letras.

Ora, saltado o muro,  o “ladrão”, o surrupiador da liberdade humana roubou uma flor. Até aí tudo bem. Decerto elas brotariam com força naquele inverno, o que não fazia falta. O problema residia não no objeto furtado, mas na ousadia daquele que invadira a privacidade do quintal. Isso acontece quando somos premidos pela enorme complexidade sociológica, que insiste em controlar a autenticidade, a explosão criativa de quem precisa do novo para continuar vivendo.

O que fazer diante do sufoco e da hermeticidade estrutural? Parece que vamos ficando acomodados, preocupados com o que a maioria vai pensar. Até que um dia o “ladrão” pisa nosso jardim e mata nosso cão. Esmagada a sensibilidade e comprometida a segurança, somos obrigados a vagar por aí sem nenhum encanto ou fascínio. Depois roubar uma flor, pisar o jardim e matar o cão, o “ladrão” entra em nossa casa e nos corta a língua. E nós, que vivíamos calados, conformados e alienados já não já não podemos dizer absolutamente nada. Não podemos questionar, não podemos entender o pode, a alavanca que nos move os poderes, o obscurantismo que se instala por trás das intenções humanas.

Que Maiakovsky nos ajude durante o percurso. Que nos deixem pelo menos respirar e existir…

*Poeta, professor de filosofia, historiador, advogado, mestre em letras, membro da Academia Roraimense de Letras e membro da Academia de Letras, Arte e Cultura da Amazônia

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