

Embora a cena mais icônica da Independência do Brasil seja aquela de Dom Pedro às margens do Rio Ipiranga, todo o processo histórico para chegarmos até aqui foi complexo e muitos vezes sangrento, com disputas e batalhas, além de negociações políticas e articulações sociais que contaram com a participação ativa de mulheres, escravizados negros e indígenas, soldados, camponeses e muitos outros personagens que foram apagados das narrativas oficiais.
Para nos situarmos no tempo, é importante observar que. quando a Independência foi proclamada, em 7 de setembro de 1822, a Província da Cisplatina (que se tornou o Uruguai atual) pertencia ao Brasil, enquanto o Acre não fazia parte do país. O nosso Estado de Roraima sequer existia, pois fazia parte da grande Província do Grão-Pará, que englobava também os atuais estados do Pará, Amazonas, Rondônia, Maranhão e Amapá.
Quem mantinha a fronteira Norte eram os povos indígenas, alvos de ataques de todos os tipos de invasores estrangeiros ou de grupos que escravizavam indígenas como um comércio qualquer. Confrontos armados, com derramamento de sangue, ocorriam com frequência em diferentes regiões do país, principalmente na Bahia, Maranhão, Piauí e no Pará, onde houve resistência ativa de tropas portuguesas.
Do Norte e Nordeste eram recrutados negros escravos em grande número sob a promessa de liberdade como recompensa pelo serviço militar prestado, uma vez que abolição da escravidão só viria a ocorrer em 1888, mais de 60 anos depois da Independência. Significa que, antes e depois da escravidão, os negros estiveram na linha de frente das batalhas que garantiram a separação de Portugal.
Em outra frente, se até hoje as mulheres são vítimas de preconceitos, violência e invisibilidade social, é possível imaginar naquele tempo da Independência. Mas elas estavam lá, desafiando seu tempo e a sociedade patriarcal, atuando com coragem e determinação, a exemplo de Maria Quitéria de Jesus, na Bahia, que se disfarçou de homem para entrar para o Exército a fim de lutar nas batalhas contra os portugueses. Por isso ela foi a primeira mulher a ser reconhecida oficialmente como militar no Brasil.
Vale ressaltar a importância do povo da Bahia, de onde partiu a grande resistência, pois o grito de liberdade do Ipiranga foi apenas um marco simbólico, sendo necessário resistir para realmente a Independência se consolidar. Escravizados, camponeses, mulheres e outros setores da população se juntaram aos soldados na luta de resistência contra as tropas portuguesas, que só foram derrotadas em 02 julho de 1823, data esta celebrada pelo povo baiano como a verdadeira Independência do Brasil.
Esse era o cenário dos que foram apagados nos livros de História e invisibilizados nas narrativas tradicionais, mesmo executando um papel imprescindível para a construção do Brasil independente que temos hoje. É por isso que a cena vista na Avenida Paulista, em São Paulo, em uma manifestação neste domingo, com uma bandeira gigantesca dos Estados Unidos carregada no meio do ato público, mostra que o Brasil realmente precisa ser passado a limpo completamente.
As feridas seguem abertas. Naquele momento da História, não eram todos que defendiam a Independência do Brasil, uma vez que sempre existiram os entreguistas por motivos econômicos ou políticos a fim de manter seus privilégios junto a Portugal. Não foi um processo pacífico, mas conturbado, com tensões e conflitos que se seguiram por anos.
Portanto, a bandeira dos EUA aberta do meio da multidão em SP é só mais um exemplo de que o povo e as instituições precisam sempre continuar vigilantes. Porque, senão, na primeira oportunidade, aparecerão aqueles que não irão titubear em rifar o país. Estamos em um momento histórico crucial.
*Colunista