
De repente, não mais que de repente, o país passou a perceber que crianças e adolescentes não só têm suas imagens exploradas nas redes sociais, como também são usadas com conotação sexual para faturar muito dinheiro por meio da monetização. É o “efeito Felca” em que um vídeo intitulado “Adultização”, do influenciador Felipe Bressanim Pereira, o Felca, viralizou no fim de semana passada e se tornou o assunto mais discutido do momento.
Assim como qualquer modismo do momento, o tema “adultização” explodiu na opinião pública, trazendo a reboque a ampla repercussão na mídia tradicional, fazendo com que o Governo Federal e o Congresso Nacional passassem a tratar do tema anunciando a intenção de aprovar projetos que punam a exposição de menores nas redes sociais. Até políticos da extrema direita, sem uma pauta fora do golpismo e anistia de Bolsonaro, entrou no discurso.
O que os políticos de direita não se atentaram, ao seguirem a viralização do assunto, é que encontrar meios de punir quem usa menores para ganhar dinheiro na internet nada mais é do que a famosa e polêmica regulação das redes sociais, tema este demonizado por esses mesmos políticos que pregam a regulação como “ditadura” e “censura”. E agora?! Como defender essa pauta em favor da infância sem defender a regulação das redes sociais?
Mas, independente do que ocorra daqui para frente no combate às práticas de exploração infantil, o que políticos de direita e esquerda ignoram é o fato de que crianças e adolescentes vêm sendo exploradas desde sempre, cujo auge na mídia foi a década de 1990, quando programas de TV aberta erotizavam crianças em horário nobre, inclusive com o surgimento de uma “rainha dos baixinhos”, a Xuxa, que usava roupas apropriadas para shows adultos e havia estrelado um filme pornô com um garoto adolescente.
A avalanche da exploração de crianças e adolescentes explodiu das telas de TV e seguiu com músicas que deixaram de ser duplo sentido para se tornarem explícitas, com pais e mães inclusive aplaudindo e fazendo vídeos até hoje de suas crianças sentando até o chão. Grupos infanto-juvenis viraram febre (para usar uma expressão da época). Até na roupa essa exploração foi de forma aberta, com crianças se vestindo como “cachorras do funk” ou como dançarinas de bandas de forró para adultos ou qualquer outro estilo musical que se seguiu ao longo dos anos 2000.
Atravessamos o novo milênio assistindo crianças sendo exploradas, inclusive o maior símbolo dessa geração foi MC Melody, que ficou conhecida a partir de 2015, aos 8 anos de idade, e ganhou notoriedade no Facebook quando seus vídeos cantando funk viralizaram. Tudo isso incentivado e administrado pelo próprio pai, sob aplausos da sociedade, que invejava uma garotinha erotizada se tornando milionária do dia para a noite.
O Ministério Público de São Paulo chegou até a abrir um inquérito para investigar o que foi chamado de “forte conteúdo erótico e de apelos sexuais” não só da cantora mirim em suas músicas, como também nas coreografias de crianças e adolescentes músicos. E a inspiração da garota era nada menos do que a cantora Anitta, que inclusive se posicionou a reboque do “efeito Felca” contra a erotização que ela mesmo inspirou ao longo de sua carreira. Mas tudo ficou por isso mesmo.
Chegamos a 2025 com empresas de mídia, influenciadores e famílias de artistas “ganhando muito dinheiro desde sempre às custas da saúde mental e física de crianças, adolescentes e mulheres” – para usar as palavras literais do próprio Felca – além da exploração sexual de seus corpos. Mas somente agora, como se fosse um grande despertar, todos parecem ter tirado as vendas de seus olhos, como uma grande conversão só explicada por uma ordem celestial.
Toda essa grande mobilização de agora mais parece aqueles movimentos embalados por viralizações em internet e que têm prazo de validade. Em Roraima, por exemplo, surgiram políticos falando em agir para defender a infância, enquanto o Estado vem sendo colocado ano após anos com os maiores índices de estupro de crianças e campeão de violência contra a mulher. Mas ninguém, até aqui, antes do “efeito Felca”, havia se insurgido contra isso.
Ou seja, não dá para acreditar em uma virada de atitude por parte dos políticos…
*Colunista