A execução de um venezuelano em um bar nas proximidades da Feira do Passarão, na tarde de sábado, na divisa dos bairros Asa Branca e Caimbé, área conflagrada pelo tráfico de drogas, não se trata apenas de mais uma cena da ação truculenta de facções venezuelanas que disputam território na Capital. Também é a prova cabal da inutilidade da encenação para criar um posto da Polícia Militar dentro da Rodoviária Internacional de Boa Vista como solução para a violência naquele setor, na divisa dos bairros 13 de Setembro, São Vicente e Pricumã.
Conforme é de conhecimento da opinião pública, o anúncio para criar esse posto policial é o aumento da violência naquela área nas últimas semanas, com dois homicídios e uma tentativa de homicídio, além de outras mortes de estrangeiros nos últimos anos. Inclusive, perto dali, às margens do Igarapé Pricumã, foi descoberto um cemitério clandestino onde corpos de venezuelanos foram enterrados em covas rasas. Então, a alegação da PM seria garantir maior segurança e um atendimento mais rápido das ocorrências policiais naquele setor.
No entanto, é necessário observar algumas questões. A principal delas é que um posto policial instalado na Rodoviária poderia até dar uma trégua nas ações criminosas praticadas ali, pontualmente. Mas, jamais será solução para o grande problema, uma vez que a necessidade mesmo de um posto policial seria dentro do bairro 13 de Setembro, que está completamente dominado por criminosos venezuelanos, uma vez que a localidade passou a abrigar a maioria de estrangeiros que chegam ao Estado.
Outra questão fundamental a ser observada, e que está sendo ignorada nessa tratativa para instalar um posto policial ali, é que a Rodoviária Internacional de Boa Vista “José Amador de Oliveira Baton” foi privatizada por meio de uma concessão onerosa no valor de R$ 4,5 milhões pela empresa baiana Sociedade Nacional de Apoio Rodoviário e Turístico Ltda (Sinart). O contrato foi assinado em 11 de dezembro de 2023, com duração de 25 anos, com o compromisso da empresa de repassar 6% da receita corrente líquida mensal ao Governo de Roraima.
O contrato prevê justamente a adoção de cronograma de intervenções e obras priorizando a segurança e acessibilidade. Significa que a empresa responsável pela Rodoviária tem um contrato que a obriga a adotar medidas de segurança. Logo, instalar um posto da PM dentro daquele terminal significaria que o governo estadual assumiria o papel da segurança que é uma obrigação da empresa baiana, o qual não está sendo cumprido, conforme é possível notar diante dessa proposta do Estado manter um posto policial dentro de um espaço privatizado.
A questão da Rodoviária foi tratada por esta coluna no dia 12.12.2023, no artigo intitulado “Rodoviária e a situação dos migrantes que ocupam aquele espaço que deixará de ser público”. Conforme abordado, a privatização foi considerada a saída para dois grandes problemas que o governo estadual nunca conseguiu enfrentar: a migração desordenada e a degeneração da rodoviária, refém do descaso desde os governos anteriores, que nunca deram a importância devida àquele terminal, imprescindível para o desenvolvimento do turismo e para a locomoção de pessoas a negócios ou a passeio, tanto para os municípios do interior quanto para Manaus (AM).
O contrato com a empresa baiana ainda prevê instalação de novo letreiro da fachada e placas de sinalização internas; pintura das fachadas com novo padrão visual; guichés com adequação e padronização visual; plataforma com instalação de grades, catracas eletrônicas, comunicação visual, mobiliários e equipamentos; acessibilidade com implantação de pisos e mapas táteis e reforma dos sanitários PCD; áreas comerciais com padronização das fachadas e construção de 5 novas lojas; novo balcão de informações; sanitários com troca de revestimentos, instalações, equipamentos e pedras; além de outras melhorias.
Quase dois anos depois do contrato, é necessário que os termos sejam fiscalizados a fim de saber o que foi cumprido até aqui e o que está sendo pago ao governo. Além disso, é necessário que os órgãos de controle estejam atentos a essa proposta de um espaço privatizado ganhar um posto policial, enquanto a cidade carece da constante presença da segurança pública. A verdade é que o Estado precisa de uma política pública efetiva de enfrentamento à criminalidade, e não de soluções paliativas que podem até surtir efeitos imediatos e midiáticos, enquanto os criminosos continuarão atuando em outros pontos da cidade, conforme ocorreu na tarde de sábado.
Ou vão ignorar tudo isso e deixar a PM fazer o trabalho que é de responsabilidade contratual da empresa privada, enquanto a população do 13 de Setembro fica refém dos bandidos venezuelanos?
*Colunista