CARTA AO MINISTÉRIO DA SAÚDE

Líderes criticam Governo Lula ao citar falta de recursos e de autonomia na saúde yanomami

Lideranças também criticam falta de transparência e monopólio de empresa de deputada. Ministério da Saúde e Voare rebateram críticas

Evento do Ministério da Saúde na Terra Indígena Yanomami em 2024
Evento do Ministério da Saúde na Terra Indígena Yanomami em 2024 (Foto: Ministério da Saúde)

Líderes de sete associações indígenas, incluindo Davi Kopenawa, divulgaram uma carta ao Ministério da Saúde, comandado por Alexandre Padilha, para denunciar uma série de problemas que inviabilizam a saúde yanomami.

Entre eles, estão a escassez de recursos públicos e a centralização em Brasília de decisões de políticas públicas para a Terra Yanomami. Assim, as lideranças pedem investigação e responsabilidade de agentes públicos e privados supostamente envolvidos na situação.

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Escassez de recursos

As associações citam que o dinheiro para combater a crise yanomami acabou. Em 2024, o Governo Lula anunciou mais de R$ 1 bilhão para ações no território indígena.

“Os recursos emergenciais alocados para a crise humanitária na TI Yanomami já se encontram esgotados, sem que tenha sido estruturada qualquer resposta duradoura para o atendimento da saúde”, revelaram.

Centralização em Brasília

De acordo com eles, o ministério, além de impedir a contratação de cargos comissionados, exclui a coordenação do Dsei-YY (Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami e Ye’kwana), comandada por Maurício Ye’kwana, de decisões essenciais, especialmente relativas a contratações de profissionais por meio da Agência Brasileira de Apoio à Gestão do Sistema Único de Saúde (AgSUS).

“A coordenação é surpreendida com o mero recebimento de listas de candidatos previamente selecionados para entrevistas, sem que se leve em consideração o conhecimento e a experiência acumulados pelo Coordenador, o primeiro indígena da Terra Indígena Yanomami a assumir a coordenação do DSEI-YY, acerca das necessidades das comunidades indígenas atendidas”, reclamam.

Falta de transparência

Os líderes das associações também dizem sofrer com a falta de informações sobre os dados de saúde da Terra Yanomami, a contratação de funcionários e Agentes Indígenas de Saúde (AISs) e acerca das avaliações periódicas de desempenho dos profissionais de saúde.

“Tal omissão compromete a nossa fiscalização da qualidade dos serviços prestados, tornando a gestão do DSEI-YY não apenas ineficaz, mas também refém de uma lógica de invisibilidade institucional que subverte o propósito de descentralização da política pública de saúde indígena”, declarou, na carta.

Ademais, os líderes dizem não saber nem a data de inauguração do Centro de Referência de Saúde Indígena, tampouco a previsão de ele receber materiais hospitalares e suprimentos. Anunciada em 2024, a obra será feita em parceria com a Central Única das Favelas (Cufa) e a organização não governamental alemã Target Reudiger Nehberg.

Monopólio

A carta ainda endereça críticas ao monopólio da Voare Táxi Aéreo, comandado pelo empresário Renildo Lima e sua esposa, a deputada federal Helena Lima (MDB-RR). Na semana passada, eles foram alvos da operação da Polícia Federal (PF) por suspeita de comprar votos nas últimas eleições municipais.

A empresa é a responsável por realizar remoções aeromédicas, transporte de profissionais de saúde e entrega de insumos médicos e farmacêuticos à Terra Yanomami. Inclusive, os líderes citam a investigação contra os empresários entre as razões que comprometem a “integridade” e o “caráter técnico” e “impessoal” dos serviços.

“Destaca-se, ainda, a prática abusiva da empresa em impor multas ao DSEI-YY em razão de atrasos de pagamentos decorrentes do atraso da liberação da Lei Orçamentária Anual (LOA), o que revela o evidente desequilíbrio contratual e afronta ao princípio da razoabilidade”, disse.

Por fim, eles relembram o acidente com helicóptero da Voare que matou, no 7 de julho, dois idosos yanomami desnutridos.

“Há fortes indícios de que o acidente tenha decorrido de supostas falhas mecânicas, superlotação da aeronave e omissão da torre de comando, circunstâncias que indicam responsabilidade objetiva da empresa e exigem rigorosa apuração”, destacaram.

Outros problemas

Ainda na carta, as associações citam:

  • A não implementação do Manual de Atendimento aos Indígenas Expostos ao Mercúrio, lançado em maio de 2025 pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e o Ministério da Saúde;
  • A paralisação há mais de nove meses das obras da Casa de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kwana (Casai-YY), em Boa Vista; e a
  • A necessidade de reestruturação do Dsei-YY, com retorno ao modelo descentralizado de gestão.

Com a palavra, o Ministério da Saúde e a Voare

O Ministério da Saúde enviou a seguinte nota:

“A seleção em curso de trabalhadores para o DSEI Yanomami atende às recomendações do Ministério Público do Trabalho (MPT) e Acordão do TCU para adequação do modelo de contratação desses profissionais. Os editais da Agência Brasileira de Apoio à Gestão do SUS foram construídos conjuntamente com os dirigentes do território e com a participação do controle social (Condisi), que mantêm atuação ativa no processo e autonomia na definição dos critérios de seleção.

Desde a declaração de emergência, o Ministério da Saúde, por meio da Secretaria de Saúde Indígena (SESAI), ampliou em 158% a força de trabalho no território Yanomami – passou de 690, em 2023, para mais de 1,7 mil profissionais em atividade – e investiu no ano de 2024 mais de R$ 256 milhões na recuperação e expansão da infraestrutura. Foram reabertos sete polos-base, com todos os 37 em funcionamento, além de outras obras em andamento como a reforma da CASAI.

O Centro de Referência em Saúde Indígena de Surucucu, primeiro deste porte em território indígena, tem previsão de entrega até setembro deste ano. A Unidade de Retaguarda Hospitalar dos Povos Indígenas, vinculada ao Hospital da Universidade Federal de Roraima, está em funcionamento desde abril.

Com essas ações, o Ministério da Saúde avançou significativamente na assistência à população Yanomami, com a redução de 21% nos óbitos gerais e quedas expressivas nas mortes por malária (42%), infecções respiratórias (47%) e desnutrição (20%). As ações coordenadas refletem o compromisso em reverter a situação de desassistência deixada pelo governo anterior.

A contratação de empresa de transporte aéreo cumpre rigorosamente a Lei de Licitações, com o acompanhamento dos órgãos de controle.”

A Voare se manifestou por meio da seguinte nota:

“Em atenção aos questionamentos formulados, a respeito da citação da empresa Voare Táxi Aéreo Ltda, na Carta de Manifestação das Associações da Terra Indígena Yanomami, cumpre esclarecer os seguintes pontos, com a máxima transparência e respeito à população indígena atendida, à sociedade civil e à Administração Pública.

Em primeiro lugar, a Voare não exerce qualquer tipo de monopólio sobre os serviços de transporte aéreo contratados pelo Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami. A empresa foi contratada após vencer processo licitatório regularmente conduzido, de ampla concorrência e aberto a todos os interessados, nos estritos termos da Lei nº 14.133/2021. A vitória da Voare decorreu da apresentação da proposta mais vantajosa para a Administração Pública, com menor preço e atendimento integral aos requisitos técnicos estabelecidos no edital. Portanto, trata-se de um contrato celebrado com base em critérios objetivos, técnicos e legais, não havendo o que se folar sobre monopólio. 

Quanto à acusação genérica de “falta de profissionalismo”, a empresa lamenta profundamente tal afirmação, pois carece de qualquer fundamento concreto. A Voare jamais sofreu sanções administrativas em decorrência de sua atuação, tampouco recebeu penalidades contratuais no âmbito dos serviços prestados à SESAI. Ao contrário, tem cumprido de forma diligente e regular todas as obrigações pactuadas, com elevado grau de comprometimento operacional, inclusive em contextos extremos de difícil acesso e alto risco logístico, como é o caso da Terra Indígena Yanomami.

Com relação à alegação de que a Voare impõe multas ao DSEI-Yanomami em razão de atrasos na liberação orçamentária, esclarece-se que a empresa restringe-se a cobrança dos encargos legais — juros e correção monetária — nos termos do próprio contrato e da legislação vigente, em especial a Lei nº 14.133/2021. Tais valores decorrem de reiterados atrasos no pagamento por parte da Administração Pública, cujos valores são indispensáveis à manutenção da sustentabilidade financeira da operação e para a continuidade da prestação do serviço. Reforçamos que não se trata de multa arbitrária, tampouco de penalidade imposta pela empresa, mas de previsão contratual expressamente autorizada por lei, em decorrência dos atrasos ocasionados pela contratante. A empresa, inclusive, nunca se valeu da prerrogativa legal de suspender os serviços diante desses atrasos, justamente para evitar qualquer descontinuidades no atendimento das comunidades indígenas, colocando sempre a missão assistencial da SESAI em primeiro plano.

Quanto ao acidente citado, ocorrido em 7 de julho, cumpre esclarecer que, até a presente data, não há conclusão oficial sobre suas causas. A aeronave envolvida encontrava-se com todas as manutenções preventivas e corretivas em dia, conforme registros devidamente documentados e submetidos à fiscalização da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC). Todas as peças utilizadas nas manutenções da aeronave são adquiridas com auxílio do HCare, diretamente do fabricante, com o qual a empresa mantém contrato de suprimento há mais de três anos, o que assegura o rigor técnico e a confiabilidade dos componentes utilizados. 

Não há qualquer evidência técnica que aponte falha mecânica, excesso de passageiros ou omissão de autoridades de controle aéreo. Pelo contrário, relatório público da Força Aérea Brasileira – FAB, comprova que havia apenas cinco pessoas a bordo da aeronave, o que rechaça categoricamente a alegação de superlotação. Ademais, informamos que até o momento não foi oficialmente iniciada pelo CENIPA (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos) a investigação específica sobre a causa do acidente, tratando-se, portanto, de fato isolado, que está sob apuração pelas autoridades competentes. A Voare lamenta profundamente a perda das vidas humanas envolvidas e reafirma seu compromisso com a segurança de suas operações e com o respeito absoluto à vida.

A Voare Táxi Aéreo é uma pessoa jurídica dotada de autonomia, com estrutura profissional consolidada, corpo técnico especializado e uma trajetória de mais de 20 anos de atuação no setor, que sempre se pautou pela responsabilidade, comprometimento e ética na condução de suas atividades. Mesmo diante de sucessivos atrasos de pagamento que, conforme a legislação, autorizariam a interrupção dos serviços, a Voare nunca cogitou suspender suas operações, exatamente por compreender a importância vital da continuidade dos serviços de transporte aéreo para a saúde e bem-estar das comunidades indígenas. A empresa se orgulha de fazer parte dessa missão e continuará atuando com seriedade e dedicação, para que nenhum indígena fique desassistido.

A Voare Táxi Aéreo permanece à disposição para prestar quaisquer esclarecimentos adicionais e reafirma seu compromisso com a transparência, a legalidade e a excelência na prestação dos serviços contratados pela Administração Pública.”

Também citado na reportagem, Maurício Ye’kwana ainda não enviou nota à reportagem.

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