OPINIÃO

Tarifaço de Trump: uma reedição dos tempos da ditadura

Sebastião Pereira do Nascimento*

Neste momento em que o Brasil passa por um cenário conturbado — sobretudo no que se refere à geopolítica e à economia — provocado pelo governo estadunidense, Donald Trump, em conluio com elementos da extrema direita brasileira, é difícil avaliar com precisão o quanto isso pode implicar no futuro do país. De qualquer modo, uma parte desses problemas atuais no Brasil decorre da política ultrajante de um governo atípico que tentou inviabilizar o país entre 2019 e 2022.

Para ser mais claro, primeiro é importante considerar que a redemocratização do Brasil após a ditadura militar trouxe ao país grandes transformações econômicas, políticas e sociais, sobretudo a partir da promulgação da Constituição de 1988, que restabeleceu os direitos e liberdades fundamentais: pilares inegociáveis do Estado Democrático de Direito. Portanto, algo que o governo atípico ao qual me refiro procurou destruir não respondendo às expectativas estabelecidas para um governo em termos de poderes, democracia, moral, procedimentos ou práticas. 

Jair Bolsonaro promovia anomalias políticas e um desvio de comportamento não cabível a um governo sério. Na prática, o mandatário, por meio de atitudes hostis e narrativas mentirosas, transformava o Brasil num caos, orquestrando retóricas ultraconservadoras e ideológicas entre seus lacaios no sentido de promover ou defender suas vontades insanas; não menos pior era o desprezo que tinha pela cultura, ciência, meio ambiente e pelas instituições públicas, principalmente entidades com funções de regulação, fiscalização ou execução de atividades socioculturais e ambientais. De mentalidade violenta, Bolsonaro promovia o uso massivo de armas entre a população (que ao longo do tempo resultou no aumento da violência), além de cultivar repulsas a qualquer agenda de opositores, taxando-os odiosamente de esquerdistas ou comunistas, além de suscitar uma falsa identidade nacionalista, que fez com que seus bajuladores passassem a odiar o país; passando pela tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, a invasão da sede dos três poderes em Brasília, em 8 de janeiro de 2023, e a violenta demanda tarifária imposta por Donald Trump, escalada por bolsonaristas.

Todas essas atentatórias, longe de ser especulações, são realidades que acabaram por se arraigar entre apoiadores da extrema direita, permanecendo na atualidade cada vez mais agressivas, quase sempre motivadas por questões ideológicas, resultando numa ingerência espúria no âmago da democracia brasileira.

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Diante do tarifaço estadunidense, os ataques que mais se ouvem vêm do grupo de oposição estabelecido no Congresso Nacional. Um grupo de políticos antagônicos à moral, à ética e ao bem-estar do Brasil. Saído decadente e perplexo das eleições de 2022, esse grupo acreditava que o mitômano Jair Bolsonaro seria reeleito. Porém, derrotado nas urnas ainda no seu primeiro mandato, Bolsonaro quebra uma sequência de reeleição presidencial desde 1995. Isso evidencia o quanto o dito-cujo se fez o pior presidente do Brasil depois da ditadura militar.

Com a derrota nas eleições, Bolsonaro abusou da vontade de desestabilizar o sistema democrático brasileiro com aceno às práticas da ditadura: ataques às eleições e às instituições democráticas, a fingida dedicação à pátria e a velha hipocrisia dos bons costumes. Isso tudo repetido tantas vezes por seus sabujos, desordeiros e herdeiros da sua patética política. Elementos humanos repletos de ressentimentos tóxicos, os quais navegam pelos mares da estupidez e impulsionam outros indivíduos, também atribuídos de falência intelectual, a praticarem as mesmas atitudes deletérias e ameaçadoras da democracia.

Sobre aqueles que dizem que há retaliações ou censura nas redes sociais por parte do judiciário brasileiro, são os mesmos que praticam mentiras e abusos no ambiente digital e defendem Donald Trump, um oligarca corrupto, que censura os usuários da internet como é o caso dos ativistas políticos e dos estudantes que defendem a criação do estado da Palestina, os quais têm a suspensão temporária ou são banidos das redes sociais. Atitudes autoritárias e antidemocráticas que confirmam a profunda ausência moral do atual governo estadunidense.

No contexto geopolítico, uma das graves cominações em pauta vem a partir do apoio sem precedentes de bolsonaristas ao governo Trump, quando o mesmo faz retaliações comerciais e ameaças à soberania do Brasil, anunciando sanções e altíssimas sobretaxas contaminadas de interesses políticos, quando deveriam ser objeto de negociação como tem sido feito ao longo de 200 anos de relação comercial entre Brasil e Estados Unidos. 

Diferente do que é considerado usual, essas exorbitantes “tarifas comerciais” se tornaram instrumentos de coerção e ameaças ao Brasil, endossadas pela bancada do Partido Liberal que, junto ao Trump, pressionam uma saída para isentar Jair Bolsonaro dos crimes cometidos durante seu patético governo. Todavia, isso representa um atalho perigoso para a instabilidade dos dois países, podendo até mesmo desestruturar as cadeias globais de valor e levar a economia mundial para uma espiral de preços altos e estagnação, como bem sinalizou o secretário de Assuntos Econômicos e Financeiros do Itamaraty, embaixador Philip Gough.

Nos EUA, um grupo de parlamentares de oposição, em um documento encaminhado à Casa Branca, acusa Donald Trump de “claro abuso de poder”, afirmando que ele está usando de forma ilegal a economia estadunidense para interferir em favor de um suposto “amigo”, referindo-se ao ex-presidente Bolsonaro. No documento, os senadores expressaram sérias preocupações sobre a possibilidade de os EUA iniciarem uma “guerra comercial desnecessária com o Brasil”, além de “interferirem no sistema de justiça de uma nação soberana”. Para os senadores, isso estabelece um precedente perigoso e coloca a população e empresas estadunidenses em risco de retaliação Jair Bolsonaro se tornou réu após perder as eleições para Luís Inácio Lula da Silva (PT) em 2022. Sobre ele, pesa a acusação, entre outros crimes, de tentar minar os resultados das eleições democráticas e de tramar um golpe de Estado. Crimes investigados pela PF e formalmente acolhidos pela PGE.

Olhando sob outra perspectiva, mais do que tentar salvar o Bolsonaro da prisão, algo totalmente irrelevante para os EUA, todas essas ameaças advindas de Trump — que tanto enfraquece a influência do próprio EUA diante do Brasil e de outros países da América Latina têm muito mais a ver com o atual protagonismo político do Brasil, sustentado pelo presidente Lula, sobretudo, o Brasil como um dos principais membros dos BRICs, o qual vem desenvolvendo uma geopolítica estratégica com a China e, obviamente, o governo estadunidense quer impedir esse acordo.

Mais recentemente, veio o anúncio de que o Brasil vai ampliar a rede de satélites com a China e vai construir e expandir cabos submarinos tanto para aumentar a conectividade interna quanto para fortalecer a posição do país como um centro digital global. Portanto, os EUA não admitem essa hegemonia chinesa-brasileira sendo expandida na América Latina. Além do mais, o Brasil tomou uma posição junto aos BRICS, no sentido de promover um aumento da influência dos países do Sul Global na governança internacional. O grupo busca melhorar a legitimidade, a equidade na participação e a eficiência das instituições globais (ONU, OMC, FMI, Banco Mundial, etc). Além disso, visa impulsionar o desenvolvimento socioeconômico sustentável e promover a inclusão social. Algo que a mente insana de Donald Trump interpreta como uma grande ameaça aos EUA.

Aqui no Brasil, essas investidas de Trump vieram somar aos discursos defendidos pela ala política e outros comparsas da extrema direita (afetados pelo complexo de vira-lata), que desde o desgoverno de Jair Bolsonaro investem contra os interesses nacionais, quais sejam os vassalos, os farsantes que se dizem “patriotas” e hoje vergonhosamente vestem as cores e beijam a bandeira dos EUA e até se cobrem com bandeira de Trump, como visto no plenário da Câmara dos deputados em Brasília. Há também muitos traidores da pátria que abrem mão de ser brasileiros e fogem para os “States” a fim de submeter-se às humilhações de Trump e entregar a soberania do Brasil à Casa Branca, como aconteceu durante a ditadura militar, quando os mandatários de turno em atos de submissão entregaram o Brasil aos EUA, que o transformaram numa base de operação comercial, quando as maiores corporações estadunidenses mantinham o monopólio estratégico industrial e agrícola do Brasil.

Na atualidade, o que se vê é a repetição das mesmas arbitrariedades impostas pelos EUA, com direta subserviência de agentes nacionais, agora com a família Bolsonaro e seus asseclas (políticos e apoiadores) que, sem nenhuma brasilidade e isentos de qualquer reserva moral, se submetem tristemente aos desejos impulsivos de Donald Trump e se declaram favoráveis à entrega dos recursos e das riquezas do Brasil em detrimento da soberania e dos interesses do país.

A propósito, isso ressuscita também um trecho do livro atemporal “As Veias Abertas da América Latina”, de Eduardo Galeano, quando ele menciona que “… a América Latina nasceu para obedecê-los, quando o mercado mundial ainda não se chamava assim, e aos trancos e barrancos continuamos atados ao dever de obediência.” […] “Segundo a voz de quem manda, os países do sul do mundo devem acreditar na liberdade de comércio (embora não exista), em honrar a dívida (embora seja desonrosa), em atrair investimentos (embora sejam indignos) e em entrar no mundo (embora pela porta de serviço). Essa triste rotina dos séculos começou com o ouro e a prata, e seguiu com o açúcar, o tabaco, o guano, o salitre, o cobre, o estanho, a borracha, o cacau, a banana, o café, o petróleo… O que nos legaram esses esplendores? Nem herança, nem bonança. Jardins transformados em desertos, campos abandonados, montanhas esburacadas, águas estagnadas, longas caravanas de infelizes condenados à morte precoce e palácios vazios onde deambulam os fantasmas. Agora é a vez da soja transgênica, dos falsos bosques da celulose e do novo cardápio dos automóveis, que já não comem apenas petróleo ou gás, mas também milho e cana-de-açúcar de imensas plantações. Dar de comer aos carros é mais importante do que dar de comer às pessoas. E outra vez voltam as glórias efêmeras, que ao som de suas trombetas nos anunciam grandes desgraças…”.

No que pese todas essas agressões contra o Brasil, diferente dos tempos passados, o país segue resistindo de forma serenae, de acordo com fontes do governo, o Brasil não tem intenção de se subjugar às tarifas de Trump, muito menos da forma que está sendo atribuído ao Brasil. Não obstante, em resposta ao anúncio do governo brasileiro de que as tarifas excessivas representariam uma “ameaça incomum e extraordinária à segurança nacional, à política externa e à própria economia dos EUA”, Trump “amarelou” e reduziu o alcance das tarifas sobre vários produtos brasileiros, ainda que os impactos sejam imensuráveis para a relação comercial de ambos os países.

Numa visão mais otimista do Brasil, essa mudança de atitude de Trump só reforça a postura firme do governo brasileiro em defender o país e seu povo e mostrar o quanto o Brasil é gigante. O Brasil é tão grande que, para admirá-lo, é preciso mais de duzentos milhões de pares de olhos; é tão imenso que, para protegê-lo, são necessárias as mãos de todos os brasileiros. O país é tão colossalque, para amá-lo, são necessários todos os corações, verde e amarelo. Assim é o Brasil! Um imenso país, uma grande nação! Mas, apesar de sua grandeza, infelizmente, há pessoas pérfidas e subservientes que querem fazer do país a sua semelhança.

*Filósofo, escritor e consultor ambiental. Autor de vários artigos científicos e livros, entre eles “Sonhador do Absoluto” e “Recados aos Humanos”. Membro editorial da revista “Biologia Geral e Experimental”.

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