Só as mães são felizes
Cazuza
Era manhã. Ela me tomou pela mão e, lentamente, caminhou comigo até o fundo do quintal. Goiabas, araçás, cocos e o velho pé de abacate. Minha mãe, dona Maria, levou-me para conhecer o infinito.
O anjo de pernas tortas estava ali , relaxando no seu quarto. As redes eram velhas testemunhas da presença de dois homens naquele espaço do prazer, naquela geografia do aconchego.
Todos carregamos o medo na bagagem. Medo do escuro, do mar, dos desertos, do desconhecido, do dentista e dos demônios que assombram a mente. Temos medo do abandono e, tomados pela angústia da solidão, buscamos no outro o complemento do amor, a metade que falta.
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O amor de Maria era incondicional. Sua vida foi completamente devotada ao marido e aos filhos. Calçava as meias do único menino que teve. Àquela altura o cheirinho de café já invadia toda a casa e o trombone já despertava a todos na velha Coronel Mota.
Educar não era apenas mandar pra escola, para o velho colégio São Francisco. Antes, era aconselhar e preparar pra vida. Assim ela viveu e morreu. Ali, na geografia da alcova e da ternura, ela aquietava sua mente, enquanto perfumava-se com o inconfundível leite de rosas. Cheiro no sovaco e coragem pra dormir, mesmo com ruídos e “fantasmas” que assombravam e assaltavam nossos pensamentos.
Depois de vinte e dois anos de ausência, o medo continua por perto. Medo do silêncio, da dor psicológica, do amor que poderia ter sido e não foi. Medo de perder a sensibilidade e a esperança.
Maria é dom, magia, perseverança. Dom de ser mãe, magia de amar, perseverança em existir com sentido.
Naquela manhã nublada de maio, minha mãe me pegou pela mão e me fez descobrir o infinito em cada planta, em cada pássaro, em cada detalhe do quintal.
Ainda lembro dos cheiros de vida, inclusive do inesquecível cheiro do seu sovaco…
*Poeta, historiador, professor de filosofia, membro da Academia Roraimense de Letras, membro da Academia de Letras da Amazônia e Mestre em Letras.