*Rodrigo Rangel
Os tempos atuais constituem enorme desafio para a pedagogia. O avanço da tecnologia e o amplo acesso aos celulares trouxeram um mundo de possibilidades, informações e entretenimento num mesmo aparelho, e essa ferramenta atrativa revolucionou comportamentos dentro da escola.
Os recreios tornaram-se menos barulhentos. Os grupos que antes se reuniam para conversar foram substituídos por indivíduos isolados, encostados às paredes com as cabeças abaixadas, olhos fixos nos celulares. Esse comportamento passou a ocorrer também nas salas de aula, gerando reações diversas por parte dos educadores.
Há aqueles que pretendem impedir sua utilização nas escolas, com base no entendimento de que ela impede a atenção dos alunos nos conteúdos, e há aqueles que defendem sua utilização como ferramenta pedagógica de auxílio no aprendizado.
Nesse contexto, o teatro apresenta-se como um poderoso instrumento que possibilita o desligamento do aluno desse “bem precioso” de forma natural, pois é uma atividade que estimula a expressividade, a criatividade e o trabalho em grupo. Enquanto estamos trabalhando os fundamentos da arte na educação, o foco é o ser humano, e isso interessa aos alunos. Tudo que nos é próximo nos interessa.
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Contudo, se quisermos avançar além das aulas de teatro e desejarmos partir para uma tarefa mais elaborada, como a montagem de um espetáculo, os desafios aumentam. O ritmo da modernidade mudou. Qualquer foto tirada e postada na internet provoca aplauso imediato através dos “likes”, que geram sensação imediata de prazer e vão condicionando aquele que postou. Tudo isso em segundos. Então como fazer um aluno acreditar que, para ter o “like” de uma apresentação teatral, que são os aplausos ao final do espetáculo, ele terá que se dedicar durante vários meses?
Nos ensaios de teatro, como na vida, nem todos os momentos são felizes e confortáveis. Um dia após o outro, vencendo os diferentes desafios que vão se apresentando, é que construímos um resultando final poderoso. Portanto, para que os alunos confiem seu tempo e energia num projeto assim, são necessárias duas coisas: comando seguro do professor e um projeto atraente para sua faixa etária. E um projeto cativante significa, necessariamente, a abordagem de temas relacionados com esses adolescentes, tratando de seus questionamentos, problemas e dramas.
Penso que não devemos ficar fixados na ideia de que as obras clássicas não podem ser adaptadas porque já estão acabadas. Se superarmos essa questão, estaremos livres para atingir o coração dos jovens. Para isso, a sugestão é que esses clássicos sejam adaptados ao linguajar da juventude, modificando determinados elementos e situações para que a história original fique mais próxima deles. Dessa forma, eles acabarão por entender que as histórias das peças, por trás daquelas palavras julgadas “antiquadas” e difíceis de pronunciar, são potentes.
Neste sentido, desenvolvo há trinta anos um trabalho de pesquisa prática voltado para adolescentes, adaptando, montando, apresentando e debatendo histórias clássicas. Durante minha trajetória, percebi que essa estratégia provoca um efeito interessantíssimo: após dominarem e apresentarem os espetáculos feitos com as adaptações, os jovens atores, assim como seu público também adolescente, passam a se interessar não só por aquela história contada por eles, mas também por pesquisar a antiga história original.
Aos poucos vão perdendo o medo da leitura dos clássicos, o que constitui uma grande esperança de que eles se tornem adultos curiosos em conhecer as grandes obras da humanidade. Todo esse processo é trabalhoso, mas temos a alegria de perceber que, após cada dia de ensaio, o tempo passou de forma diferente, sem que ninguém se importasse com o Instagram.
*Rodrigo Rangel é ator, educador, professor de teatro e autor do livro “O amor de Pedro e Inês e outras peças incríveis para jovens”