JESSÉ SOUZA

‘Efeito binóculo’ e a falta de segurança nos principais pontos turísticos

Insegurança começa na RR-203, que acabou de passar por uma reforma, mas já está com sérias fissuras

Acidentes fatais com turistas foram as principais notícias da imprensa brasileira nos últimos dias, inclusive um roraimense faleceu no Nordeste na semana passada. Dividindo os noticiários da guerra Irã-Israel, foram destaque as oito mortes no incêndio de um balão, em Santa Catarina, e a morte da turista brasileira que caiu na cratera do segundo maior vulcão da Indonésia.

O caso da turista Juliana Marins no Monte Rinjani foi emblemático por ter sido marcado por uma série de falhas, que vão do abandono da brasileira pela equipe de guias e falta de estrutura para turismo de aventura, de regulamentação e de preparo da trilha, passando pela inexistência de um plano de resgate até chegar na negligência por parte das autoridades, que fizeram pouco caso da falta de agilidade e recursos, além das limitações técnicas.

No entanto, enquanto assistimos e analisamos tudo de longe, no que pode ser chamado de “efeito binóculo”, os principais pontos turísticos em Roraima carecem da intervenção urgente por parte das autoridades em todos os níveis de governo para estruturar o turismo de aventura no que diz respeito à segurança e prevenção. Enquanto são recorrentes os acidentes, os fatos são ignorados por quem deveria atuar.

Para não ir muito longe, em abril de 2024 um turista caiu durante uma trilha de acesso a uma cachoeira no Município de Mucajaí, cujo acesso é íngreme e acidentado, fraturando uma das pernas. Na Serra do Tepequém, no Município de Amajari, não são raros os acidentes nos atrativos e trilhas,  com pessoas que despencaram em cachoeiras, a exemplo de uma mulher na Cachoeira Lave Verde e de uma adolescente de 17 anos na Cachoeira do Barata, que sofreram ferimentos graves, inclusive a garota foi parar na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) do Hospital Geral de Roraima.

A maioria dos casos ganhou repercussão na mídia local, mas a gravidade das ocorrências não foram motivo para as autoridades do turismo agirem, nem por parte do município, muito menos pelo governo estadual. A consequência do ato omisso é que os principais pontos turísticos roraimenses não dispõem de sinalização nos atrativos nem dispositivos de segurança nos acessos a cachoeiras, mirantes e em locais de turismo de aventura como o Platô da Serra do Tepequém.

Aliás, em Tepequém, que recebe até 3 mil turistas em feriadões e períodos de alta temporada, a ausência governamental é completa, deixando as responsabilidades para guias e condutores locais, os quais não dispõem de equipamentos e recursos para atuar em grandes ocorrências, a exemplo do que aconteceu no feriadão da Semana Santa deste ano, quando um grupo de oito turistas manauaras ficou ilhado à espera de socorro na passagem para o atrativo da Cachoeira da Laje Verde, depois de uma enxurrada.

Como não existe uma equipe do Corpo de Bombeiros de sobreaviso no Amajari, o grupo precisou ficar por 12 horas à espera de socorro, do fim da tarde de sábado até a madruga de domingo. Não fossem a falta de dispositivos de segurança e placas de sinalização, alertando para os perigos, os graves acidentes poderiam ter sido evitados. No entanto, a última sinalização realizada pelo governo ocorreu em 2017, cujas placas nem existem mais em sua maioria.

Diante da inércia por parte das autoridades, a Associação de Guias e Condutores de Tepequem (Aguiconte) elaborou um projeto para captar recursos e parcerias a fim de instalar dispositivos de segurança e sinalização para os atrativos, com prioridade para a Cachoeira Laje Verde, local do mais recente episódio com os turistas manauaras, uma vez que o atrativo é muito requisitado por turistas em qualquer época do ano.

A ação da Aguiconte é imprescindível, pois um Mapeamento Geológico-Geotécnico Voltado para a Preservação de Desastres, realizado na Serra de Tepequém pelo Serviço Geológico do Brasil (SBG-CPRM), apontou a necessidade de providências para garantir a segurança de todos, profissionais de turismo e turistas. Inclusive a Cachoeira da Laje Verde é a única que está classificada com Fator de Perigo Geológico e Hidrológico “Muito Alto” para queda de bloco rochoso e deslizamento.

Riscos geológicos apontados em mapeamento realizado em Tepequém pela CPRM

A atenção por parte das autoridades precisa ir mais além, como garantia de segurança na estrada, por exemplo. A rodovia estadual RR-203 acabou de passar por uma operação de tapa-buraco paliativa, mas o asfalto já está se desfazendo com o peso das caçambas que carregam massa asfáltica para pavimentação da estrada da Vila Trairão. A recuperação dessa estrada virou uma novela sem fim, desde 2020, como uma obra interminável e de má qualidade.  Sem contar que as pontes de madeira estão com suas estruturas comprometidas, além dos estrados quebrados, deteriorados ou soltos, precisando de urgente manutenção.

Infelizmente, essa é a realidade dos pontos turísticos de Roraima, que precisam de políticas públicas para garantir satisfação, segurança e bem-estar a todos que buscam contato com a natureza. Porém, pelo que se constata, providências só serão tomadas quando ocorrerem tragédias de grande repercussão e quando familiares de vítimas responsabilizarem as autoridades por negligência ou omissão.

*Colunista

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